Isolamento social revela equívocos e atrasos do ensino à distância no Brasil
Por Cesar Silva (*)
A quarentena imposta para evitar a propagação do Covid-19 mudou todos os segmentos de negócios que agora precisam se reinventar e se reposicionar tornando essencial o uso dos recursos digitais. No comércio, redes varejistas estão trabalhando com portais e apps para assegurar descontos e fretes gratuitos nas entregas. Os restaurantes reforçaram o sistema de delivery, ampliando o número de canais de pedidos, via web, WhatsApp e até com mais números de linhas telefônicas.
Não muito diferente, o setor educacional também teve que se posicionar. Mas, ao fazer isso, descortinou uma série de atrasos naquilo que, para um olhar distraído, parecia ser um grande sinal de modernidade. O tradicionalismo retrógrado aplicado no segmento da educação, que afasta o EaD como se fosse uma praga, agora se vê obrigado a recorrer a esta modalidade para reduzir a perda de conteúdo dos alunos em tempos de confinamento. O movimento, porém, esbarra em alguns problemas de ordem estrutural.
Algo que deveria ser natural por conta das já existentes soluções disponíveis para o EaD, está se mostrando um verdadeiro desafio diante da falta de uma real visão sobre como fazer o uso de tecnologia e de metodologias diferentes no ensino. A miopia ronda desde os órgãos reguladores que, por força de manutenção de um modelo centrado no professor, limitam a porcentagens muito pequenas o ensino à distância tanto nos currículos da educação básica quanto da educação superior, até os mantenedores e gestores das unidades de negócios do segmento, as escolas.
O grande problema é que a proposta reguladora existente que abomina o EaD dentro dos Conselhos Estaduais de Educação, nas Diretorias de Ensino e até em órgãos vinculados ao MEC, faz com que as escolas não tenham estímulo a se modernizarem e buscarem metodologias de ensino 3 aprendizagem que utilizem recursos tecnológicos enfronhados em diversos outros segmentos.
Como consequência, neste momento da história do homem, o ensino, em todos os níveis, ainda está na pré-história. Assim, os grupos de educação básica têm preferido ofertar período de férias enquanto decidem como vão ofertar conteúdos para os alunos em suas casas.
A educação básica, infantil e fundamental são as mais críticas, na visão das instituições, pois correram por anos da implantação de atividades lúdicas com recursos tecnológicos. Na verdade, era mais econômico contratar estagiários de pedagogia para cuidar das crianças sem a preocupação real de as pré-alfabetizar, inclusive tecnologicamente. A falta de uso de recursos tecnológicos não está na dificuldade da geração alpha em se adaptar às ferramentas computacionais; e sim nas dificuldades dos mantenedores de se atualizarem à realidade e dos docentes contratados de buscarem diferentes estratégias lúdicas e motivadoras.
No caso dos sistemas de ensino, que ofertam seus conteúdos para as escolas se diferenciarem das concorrentes, associando suas marcas às das grifes destes sistemas de ensino, percebe-se não se prepararam para contribuir no desenho de trilhas formativas destas escolas e só oferecem os mesmos conteúdos das apostilas em plataformas digitais (chamados de ambientes virtuais de aprendizagem). Desta forma, as escolas não conseguem se diferenciar, pois todas são obrigadas a aplicar o mesmo conteúdo e na mesma ferramenta.
Quando se trata da educação superior, onde o EAD é mais trivial, pois a oferta de qualquer curso presencial pode ter 40% de sua carga horária na modalidade online, percebe-se que as Instituições também não fizeram a lição de casa. Na realidade a grande maioria das Instituições de Ensino Superior (IES) replica na carga horária EAD a sua forma de ensino presencial.
Neste sentido, o aluno tem que fazer uma atividade ou uma lista de exercícios, sem uso de qualquer recurso tecnológico mais rico e diferenciado. Não à toa os milhares de docentes do ensino superior constroem aulas com powerpoints, com vídeos caseiros produzidos sem qualquer metodologia, ou até recorrem a salas virtuais gratuitas para lecionar por 2 a 3 horas, falando para os seus alunos como se todos estivessem na mesma sala de aula física.
O modelo está centrado no docente, onde ele tem o saber supremo e as suas palavras trarão a solução de todos os problemas da vida profissional. Se o MEC precisou publicar duas portarias em menos de 48 horas para regular a liberdade de oferta na modalidade EAD pelas IES neste período de decisões rápidas e eficientes, imagine como está enferrujado o setor educacional.
* César Silva é diretor Presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo – FATEC-SP há mais de 30 anos. Foi vice-diretor superintendente do Centro Paula Souza. É formado em Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Projetos, Processos Organizacionais e Sistemas de Informação.
Compartilhe:: Participe do GRUPO SEGS - PORTAL NACIONAL no FACEBOOK...:
<::::::::::::::::::::>