CLT em xeque. Por que a geração Alpha rejeita o modelo tradicional de trabalho?

Para a geração Alpha, formada por aqueles que nasceram a partir de 2010, a CLT deixou de ser sinônimo de estabilidade e passou a representar o fracasso. O tradicional "emprego de carteira assinada", antes almejado por muitos, hoje é visto por crianças e adolescentes quase como uma ofensa. Para parte dessa geração, ter um emprego formal é o oposto de ser bem-sucedido.

Segundo Karine Karam, professora de comportamento do consumidor no curso de Comunicação e Publicidade da ESPM, e sócia da Markka Consultoria, o trabalho com carteira assinada, que durante muito tempo simbolizou segurança e ascensão social, vem sendo rejeitado por esses jovens com base no imaginário que constroem sobre o futuro profissional. “De certa forma, essa rejeição escancara transformações culturais, sociais e digitais que estão moldando uma nova percepção sobre o trabalho.”

No campo cultural, a especialista destaca uma mudança nos valores associados ao trabalho. Se antes predominavam estabilidade e vínculo duradouro, hoje a nova geração valoriza autonomia e, sobretudo, a possibilidade de expressar sua individualidade e construir um estilo de vida próprio.

“Trabalhar sob um regime rígido, quando o que se busca é flexibilidade, inevitavelmente gera ruídos. Não funciona bem”, diz Karam. “Pensar em uma geração que preza por liberdade e autenticidade, mas que precisa se subordinar e respeitar estruturas hierárquicas, é ir de encontro aos valores desses jovens.”

Os influenciadores digitais, que se autodeclaram empreendedores e vendem um modelo idealizado de sucesso, impactam diretamente a dimensão social mencionada por Karam. “Eles se tornam símbolos de status. Essa geração cresce vendo pessoas que não têm chefe, não batem ponto e conquistam capital, visibilidade e reputação com o próprio trabalho.”

Nesse novo imaginário coletivo, a CLT passa a ser associada à limitação de potencial, à falta de liberdade e até ao fracasso. “Seguir esse caminho tradicional deixa de ser aspiracional, já que, para muitos jovens, o verdadeiro símbolo de sucesso está em outro lugar”, diz a professora da ESPM.

E o mundo digital reforça esse novo imaginário. A lógica das redes sociais, como TikTok e Instagram, vende a ideia de que sucesso e performance estão ligados à liberdade, autenticidade e identidade única. Nessa narrativa, o trabalhador preso a uma rotina rígida deixa de ser uma figura admirada.

Karam alerta que essa rejeição é, na verdade, um sintoma de uma crise de identidade do modelo tradicional de trabalho. “As empresas vão precisar se reinventar profundamente para atrair esse público jovem. Se não ressignificarem o trabalho formal e não dialogarem com os desejos dessa nova geração, correm o risco de perder completamente a conexão com ela.”

A especialista está disponível para comentar o tema.

Sobre a ESPM

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