Nota de esclarecimento CNseg
O setor de seguros tem tido uma postura ativa na busca por soluções que mitiguem os efeitos das mudanças climáticas, quer seja como gestor de risco, quer seja como investidor institucional, quer seja pela oferta de produtos capazes de proteger a sociedade dos eventos climáticos extremos.
Perante tragédias cada vez mais frequentes, o setor segurador vem trabalhando na construção de propostas que ajudem a sociedade a atravessar este momento de transição climática. Apenas nas enchentes do Rio Grande do Sul, o setor indenizou mais de R$ 6 bilhões.
Outro exemplo é o projeto do Seguro Social de Catástrofe, proposto pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) que prevê um auxílio imediato à população afetada por chuvas e enchentes. Na mesma linha, a CNseg estrutura a implementação de seguros para incrementar a proteção da infraestrutura de cidades, que hoje sofrem os impactos de chuvas e se deparam com as dificuldades inerentes ao poder público para a reconstrução de áreas afetadas.
É importante destacar que 70% das seguradoras já incluem critérios ASG nas suas políticas de investimento, sendo que boa parte delas aplica metodologias de avaliação ASG na análise e na gestão de ativos e possui estratégias para a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Neste contexto, a Lei 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), é de extrema relevância para que o Brasil alcance suas metas de descarbonização, dando instrumentos para que o mercado regulado de carbono se desenvolva de forma estruturada e eficiente no País.
Contudo, em descompasso com os avanços trazidos na referida lei, seu artigo 56 impõe às sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais a obrigatoriedade de aplicação de, pelo menos, 0,5% dos recursos de suas reservas técnicas e provisões em créditos de carbono, o que corresponde a cerca de R$ 9 bilhões.
Há que se destacar, no entanto, que o mercado de carbono no Brasil é bastante incipiente e de baixa liquidez. Não há números oficiais, mas estimativas de diversas consultorias especializadas indicam que este mercado movimenta hoje, apenas, cerca de R$ 1 bilhão.
O relatório “Oportunidades para o Brasil em Mercados de Carbono” elaborado pela ICC Brasil e pela WayCarbon aponta que no ano de 2021 foram emitidos aproximadamente US$ 222 milhões em créditos de carbono no mercado voluntário brasileiro. Segundo análise mais recente, elaborada pelo BTG Pactual (Voluntary Carbon Market – Monthly Report – novembro de 2024), o total de créditos de carbono emitidos permaneceu na casa dos US$ 220 milhões. Mesmo considerando o mercado global, a consultoria McKinsey estima que ele seja hoje de aproximadamente US$ 1,5 bilhão.
Portanto, fica evidente que nem sequer existem créditos de carbono no Brasil no volume exigido pela lei, reforçando que é impossível o cumprimento da obrigação estabelecida pelo artigo 56.
Além disso, há que se considerar a discussão sobre padronização de metodologias e integridade dos créditos de carbono. Embora as metodologias dos padrões de certificação com projetos registrados no Brasil tenham requisitos mínimos, inúmeros casos de projetos cancelados vieram à tona nos últimos anos, em especial por questões ligadas à garantia de integridade dos créditos, falhas de monitoramento, entre outros. É preciso, portanto, evoluir em mecanismos que assegurem o cumprimento das salvaguardas mínimas exigidas pelos certificadores atuando no mercado voluntário.
Somente assim as seguradoras poderiam incluir esses créditos em seus ativos sem que houvesse um eventual impacto negativo em seus balanços diante de um cancelamento de projeto, o que acarretaria prejuízos aos clientes.
Da mesma forma, não há um mercado estruturado para negociação desses ativos, seja em bolsas ou mercados organizados e transparentes. São negociações privadas que dificultam a verificação dos preços e das condições negociadas, bem como o planejamento das seguradoras para o investimento de suas reservas. Em pronunciamento recente da CVM, a Resolução CVM nº 223/2024 reconhece que os créditos de carbono não constituem ativos financeiros.
É importante ressaltar também que o próprio mercado de carbono será impactado negativamente com a previsão do Art. 56. Isso porque propiciará uma grande especulação, pois a demanda criada pela lei é amplamente maior que a oferta, prejudicando, inclusive, aqueles que têm obrigação de aquisição de créditos de carbono e aqueles que desejam fazê-lo voluntariamente, dado que os preços serão inflados artificialmente diante da demanda que será criada, fragilizando os mercados voluntário e regulado.
A destinação compulsória dos recursos das reservas técnicas e das provisões do mercado segurador, de previdência complementar e de capitalização, para a
compra de créditos de carbono põe em risco parte dessas reservas que deveria fazer frente ao pagamento das indenizações e aposentadorias.
É preciso lembrar, ainda, que esses recursos não pertencem às seguradoras, mas sim aos segurados e participantes da previdência, pois são reservas técnicas e provisões para pagamentos de benefícios e indenizações aos segurados. Portanto, as seguradoras têm o dever regulatório, legal e contratual de administrar esses recursos com a devida diligência e cautela.
Diante deste cenário, a Confederação Nacional das Seguradoras recorreu ao Supremo Tribunal Federal, propondo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido liminar que visa declarar a inconstitucionalidade do Art. 56, caput e parágrafo único, da Lei nº 15.042/2024.
O artigo tem vícios de inconstitucionalidade formal e material; eis que esta é uma lei ordinária que versa sobre matéria reservada à lei complementar e não foi precedida do devido processo legislativo. A Constituição Federal prevê que a regulação do setor de seguros deve ser feita por lei complementar e não por lei ordinária.
Vale ressaltar, que o artigo 56 foi inserido na lei de última hora, sem debate com o setor, sem a devida fundamentação e fere os princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, do poluidor-pagador, da proporcionalidade, da razoabilidade, da segurança jurídica e da liberdade econômica. É uma proposição discriminatória, vedada pela Constituição Federal, pois atinge apenas o setor segurador.
Além disso, o artigo é discriminatório também em relação a outros ativos e projetos sustentáveis, uma vez que apenas os emissores de créditos de carbono serão beneficiados. Todos os outros tipos de projetos sustentáveis estão excluídos.
Mesmo antes da aprovação desta lei, a CNseg já havia proposto a emissão de green bonds no Brasil, uma solução mais abrangente, pois os recursos desses ativos podem ser direcionados aos mais variados tipos de projetos. Estes são ativos financeiros com liquidez e negociados de forma transparente que atendem aos objetivos de sustentabilidade, sem colocar em risco os recursos reservados para pagamentos de benefícios e indenizações aos segurados.
O setor segurador confia que todas estas questões serão devidamente apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal e declarada a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo. A Confederação permanece aberta ao diálogo com autoridades e reguladores para contribuir na construção de soluções que harmonizem os objetivos ambientais com a necessidade de estabilidade do setor segurador e a segurança dos consumidores.
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