Do seguro em favor de terceiro na nova lei (Destaque)
Dando continuidade aos comentários sobre a nova lei do seguro, vale dizer, no tocante à Seção V, que cuida do seguro em favor de terceiro, se colhe a seguinte redação:
“O seguro será estipulado em favor de terceiro quando garantir interesse de titular distinto do estipulante, determinado ou determinável”.[1]
A exegese deste dispositivo legal, está em plena sintonia com o instituto previsto em nosso Código Civil[2], que assume a forma de um contrato no qual uma das partes (estipulante) estipula uma obrigação a ser cumprida por outra parte (promitente) em benefício de um terceiro (beneficiário). Esse terceiro não é parte direta do contrato – como é o caso do seguro em tela -, adquirindo direitos dele decorrentes, podendo, neste sentido, então, exigir o cumprimento da obrigação da Companhia Seguradora.
Podem, desta forma, ser aplicados tanto nos contratos de seguro vida, como nas doações com encargos, hipótese típica do instituto denominado de fideicomissio.[3] Nesta hipótese, trata-se de um mecanismo sucessório que objetiva assegurar que os bens sejam destinados a diferentes sucessores, em momentos distintos, conforme a vontade do testador, em momento posterior ou sob condição estabelecida, constituindo-se para o herdeiro ou legatário um encargo. A sucessão não se aplica ao contrato de seguro que, como regra, não se encontra previsto em processo de inventário, salvante situações excepcionais como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.
No contrato de seguro o “beneficiário será identificado por lei, por ato de vontade anterior à ocorrência do sinistro ou pela titularidade do interesse garantido.”[4]
Vejam, nossas dignas leitoras e honrados leitores, que existem três casuísticas plasmadas neste parágrafo. A primeira situação quando a lei indicar – ocorre no seguro de pessoas, rectius, de vida –, quando o Código Civil estabelece que “na falta de indicação da pessoa ou beneficiário ou por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem de vocação hereditária”.[5] Aliás, essa é a redação adotada por nosso Código Civil, oriunda de uma lei confeccionada no ano de 1.943. É claro que as normas legais do contrato de seguro, atualmente vigentes em nosso Código Civil, serão inteiramente revogadas, após o período de vacatio legis, de um ano, após a publicação da novel lei securitária.
Em verdade, com o advento da nova lei, haverá uma outra lei ordinária de mesma hierarquia ou, talvez, uma norma legal que irá regulamentá-la. No entanto, desde já, convido a atenção para que ao se colmatar tal situação através de uma norma regulamentar, se for o caso, deverá se estar atento para que o legislador regulamente essa norma em aberto, obedecendo critérios secundum legis.
No caso de beneficiário designado por ato de vontade anterior à ocorrência do sinistro – enfatizo à exaustão –, antes do sinistro, o segurado exerce sua autonomia para indicar quem será o beneficiário, independentemente de vínculos familiares ou legais. Há exceções presentes, ainda hoje, malgrado evolução pretoriana que comentarei quando se cuidar do seguro de vida.
Na terceira hipótese contemplada pelo legislador neste dispositivo legal, diz que o contrato de seguro estará vinculado diretamente ao interesse do segurado, assim como no caso do seguro de responsabilidade civil de determinados bens, que, a seu tempo, também será devidamente abordado.
“Sendo determinado o beneficiário a título oneroso, a seguradora e o estipulante deverão entregar-lhe, tão logo quanto possível, cópia dos instrumentos probatórios do contrato.[6]
Essa determinação encontra respaldo na segurança jurídica que garante que o beneficiário saiba exatamente quais são os termos, condições e limites da cobertura. Isso evita conflitos futuros e protege os interesses de todas as partes. Ademais, exsurge ao beneficiário, mesmo que não seja ele o contratante direto, mas, sempre como parte diretamente interessada no recebimento da indenização em caso de sinistro. Deveras, aquele – o beneficiário da apólice de seguro - tem direito de conhecer os detalhes do contrato que determinam o cumprimento da indenização da respectiva seguradora eleita pelos contratantes. Portanto, entregar uma cópia do contrato ao beneficiário não é apenas um dever legal, mas também uma forma de assegurar a efetividade do contrato e a proteção dos envolvidos.
Neste pensar a nova lei afirma que “o interesse alheio, sempre que conhecido pelo proponente, deve ser declarado à seguradora”.[7]
Ele será sempre conhecido pelo proponente quando o interesse for de pessoa determinada, verbi gratia, alguma pessoa beneficiada em função de laços de afetividade do segurado.
Haverá presunção “que o seguro é por conta própria, salvo quando, em razão das circunstâncias ou dos termos do contrato, a seguradora tiver ciência de que o seguro é em favor de terceiro”.[8] Cuida-se, aqui, de uma pessoa indeterminada que será determinada quando da sua identificação por ocasião do sinistro.
Mais. “Na contratação do seguro em favor de terceiro, ainda que decorrente de cumprimento de dever, não poderá ser suprimida a escolha da seguradora e do corretor de seguro por parte do estipulante".[9] Desta forma se determina uma obrigação ao estipulante, para que ele decline, qual é a seguradora e o corretor por ele indicado. A meu juízo, se valoriza o dever de transparência no sentido de instruir o contrato, com menção explícita da seguradora e do corretor, partes indispensáveis na formação deste contrato.
No dispositivo subsequente, da nova lei, está dito:
“O seguro em favor de terceiro pode coexistir com o seguro por conta própria, ainda que no âmbito do mesmo contrato”.[10]
No parágrafo único deste artigo, consta:
“Salvo disposição em contrário, se houver concorrência de interesses garantidos, prevalecerá a garantia por conta própria, sendo considerada, naquilo que ultrapassar o valor do interesse próprio, como em favor de terceiro, sempre respeitado o limite de garantia”.
Destarte, a coexistência entre o seguro em favor de terceiro e o seguro por conta própria (em que o contratante é também o beneficiário) pode gerar conflitos, especialmente em situações em que as apólices pretendem cobrir o mesmo risco. Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência destacam que deve prevalecer aquele que está diretamente ligado ao risco e ao interesse do segurado original. O sistema busca, acima de tudo, evitar o enriquecimento sem causa e garantir a boa-fé entre as partes.
De outro giro, “o estipulante deverá cumprir as obrigações e os deveres do contrato, salvo os que por sua natureza devam ser cumpridos pelo segurado ou beneficiário”.[11]
Pois bem. Como o estipulante atua como representante dos segurados, ele tem obrigações como dever de informação, de repassar à seguradora os prêmios pagos pelo segurado dentro do prazo contratual e, reciprocamente, repassar aos segurados eventuais valores devidos pela seguradora. É responsável, outrossim, por administrar o contrato coletivo, incluindo a inscrição de novos segurados, a exclusão de beneficiários, bem como a manutenção das condições contratuais. Atuará, ainda, como representante dos segurados nas negociações iniciais com a seguradora, embora não tenha liberdade irrestrita para modificar condições contratuais sem o consentimento dos segurados. No entanto, conforme expresso na norma em comento, existem obrigações que, pela sua natureza, devem ser cumpridas diretamente pelos segurados ou beneficiários, assim por exemplo, como a comunicação do sinistro e a apresentação de documentos comprobatórios, como qualquer tipo de obrigação que dependa de uma conduta pessoal do segurado, a exemplo de responder questionários de avaliação de riscos e a realização de exames médicos.
Tais procedimentos se justificam em princípios calcados na boa-fé objetiva e na função social do contrato de seguro, pois o estipulante ao assumir o papel de intermediário, deverá contribuir para a proteção dos segurados, desde que não usurpe ou substitua uma atuação direta e exclusiva do segurado. Essa separação de responsabilidades é fundamental para garantir o equilíbrio e a eficiência do contrato de seguro, na proteção de todos os interesses envolvidos nesta operação.
Como estipulante diz a nova lei, que ele “poderá substituir processualmente o segurado ou o beneficiário para exigir, em favor exclusivo destes, o cumprimento das obrigações derivadas do contrato”.[12]
Trata-se de uma inovação feita pela nova lei, já que o artigo que cuida da substituição processual[13] só admite nos casos expressamente previstos em lei como será futuramente, de lege lata.
A regra vigente permitia o auxílio do estipulante na mediação de conflitos, mas não substituir os segurados no processo.
Também “cabe ao estipulante, além de outras atribuições que decorram de lei ou de convenção, assistir o segurado ou o beneficiário durante a execução do contrato”.[14] Aplica-se, aqui, a máxima em bom direito: quem pode o mais pode o menos.
Se a nova lei faculta o estipulante substituir processualmente o segurado e/ou beneficiário, certamente poderá assisti-los na qualidade de litisconsorte ad adjuvandum, pois assim parece ser a lógica por ela impingida.
O conceito de estipulante de seguro coletivo está subsumido na lei[15] que o define como contratante “em proveito de um grupo de pessoas, pactuando com a seguradora os termos do contrato para a adesão de eventuais interessados”.
No artigo 30 da nova lei o legislador possibilita a admissão como estipulante de seguro coletivo – seguro em grupo -, apenas aquele que tiver vínculo anterior e não securitário com o grupo de pessoas - uma associação, uma cooperativa, por exemplo – em proveito do qual essa entidade contrata essa proteção, sem a qual o seguro será considerado individual. A intenção do legislador foi destacar que só se admite nas hipóteses de seguro coletivo o segurado que tiver vínculo com a entidade na qual o estipulante funcionará como seu mandatário, a teor do que está expresso no Decreto-Lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, em um de seus dispositivos legais que permanecerão vigentes,[16] mesmo quando começar a viger a nova lei em comento.
A transparência e o direito à informação aos segurados ou aos beneficiários nas propostas de adesão ao seguro, assim como nos questionários e demais documentos do contrato a ser eventualmente pagas ao estipulante – mandatário daqueles -, é a tônica insuflada em um dos parágrafos do caput deste artigo.[17]
No parágrafo seguinte do artigo da nova lei – ora em análise – há uma regra que enfatiza o compromisso e a responsabilidade do mandatário dos segurados, ou de seus beneficiários, exigindo que “salvo disposição em contrário, o estipulante de seguro coletivo sobre a vida e a integridade física do segurado é o único responsável perante a seguradora pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, inclusive a de pagar o prêmio”.[18] Impende sublinhar, como já enfatizado alhures, que sem o pagamento do prêmio não haverá risco coberto.
Finalizando esta Seção que trata do seguro em favor de terceiro,[19] “o estipulante de seguro coletivo representa os segurados e os beneficiários durante a formação e a execução do contrato respondendo perante eles e a seguradora por seus atos ou omissões”.
O § único deste último dispositivo[20], que encerra esse instituto legal, determina:
“Para que possam valer as exceções e as defesas da seguradora em razão das declarações prestadas para a formação do contrato, o documento de adesão ao seguro deverá ter seu conteúdo preenchido pessoalmente pelos segurados ou pelos beneficiários”. Sic.
Acredito que a redação deste parágrafo é um excesso de cautela e até, num certo ponto, contraditória com a figura com que foi guindado o estipulante. Se ele presenta os interesses dos segurados ou beneficiários, na qualidade de mandatário, todos os documentos firmados por aqueles devem passar pelo crivo do outorgado pelas partes componentes deste processo seletivo. É verdade, por outro lado, que os mandantes podem não informar, de modo claro e adequado os riscos a que estejam expostos. Porém, a responsabilidade civil do mandatário está atrelada à sua obrigação de agir dentro dos limites do mandato[21], com diligência, boa-fé e lealdade, respondendo por prejuízos causados ao mandante por atos ilícitos ou contrários ao contrato.
De outro giro, o mandante[22] – leia-se os mandantes, segurados ou beneficiários –, assumem a responsabilidade pelos atos do mandatário como extensão de sua própria vontade, exceto quando o mandatário agir de forma dolosa, culposa ou ultrapassar os limites do mandato. É bom por fim registrar que tanto a doutrina como a jurisprudência reforçam que essa responsabilidade é uma decorrência natural da representação contratual e da confiança entre as partes.
No próximo comentário examinarei a seção seguinte desta, vale dizer, “Do Cosseguro e do Seguro Cumulativo”.
FELIZ 2025 ao EDITOR e Aos Estimados Leitores!
Porto Alegre, 27 de dezembro de 2024
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Artigo 24 da Lei nº 15.040, de 9 de dezembro de 2024.
[2] Artigos 436 a 438.
[3] Artigos 1.951 a 1.960 do atual Código Civil.
[4] § 1º do artigo 24 da nova lei.
[5] Art. 792 do atual Código Civil.
[6] § 2º do artigo sob comento.
[7] Artigo 25 caput do novo texto legal.
[8] § 1º deste artigo
[9] § 2º do art. 25.
[10] Artigo 26.
[11] Artigo 27.
[12] Artigo 29 da lei em tela.
[13] Artigo 18 do Código de Processo Civil.
[14] Artigo 29 da novel lei.
[15] Artigo 30.
[16] § 2º, do artigo 21, do Decreto-Lei nº 73/66.
[17] § 1º, do artigo 31 da nova lei.
[18] § 2º do artigo 31 da nova lei.
[19] Artigo 32 da lei em comento
[20] Parágrafo único do artigo 32 da nova lei.
[21] Artigo 667, caput, do Código Civil (Dever de Diligência e Responsabilidade).
[22] Artigo 672 do Código Civil. (Responsabilidade do Mandante).
Compartilhe:: Participe do GRUPO SEGS - PORTAL NACIONAL no FACEBOOK...:
<::::::::::::::::::::>