Comentários sobre o prêmio no contrato de seguro sob a ótica da nova lei (Destaque)
O prêmio, deverá ser pago no tempo, no lugar e na forma convencionados, determina a nova lei do contrato de seguro, na Seção IV, na redação dada pelo caput do artigo 19, inserto no Capítulo I, que cuida das DISPOSIÇÕES GERAIS da nova lei de seguros.[1]
Antes de continuar os comentários deste artigo e seus dois parágrafos, quero registrar que muitos lidadores do direito confundem a palavra prêmio com a indenização securitária.
O prêmio é um “termo utilizado para definir o preço em dinheiro que o segurado paga ao segurador para que este assuma um determinado ou conjunto de riscos, pagando-lhe uma indenização em caso de sinistro”.[2]
A indenização, por outro lado, define a contraprestação do segurador, isto é, o valor que o mesmo deverá pagar ao segurado no caso da efetivação do risco coberto previsto no contrato de seguro; o segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa (Código Civil, art. 776); elemento do contrato.[3]
Quando o autor do Dicionário, identificado em nota de rodapé, refere na parte final de sua definição a expressão “salvo se convencionada a reposição da coisa” também prevista in fine do artigo 776 do nosso atual Código Civil, é imperioso registrar que este dispositivo faz parte das modalidades concernentes às obrigações alternativas.[4]
Um exemplo curial deste tipo obrigacional, em sede de contrato de seguro, diz respeito à possibilidade do segurador indenizar o segurado na hipótese de perda total de um veículo, em dinheiro, ou (aí a alternatividade da obrigação) entregar um outro veículo nas mesmas condições do bem segurado.
O fato é que o prêmio gira em torno da teoria geral do pagamento, constante em nosso Código Civil. Ela é tratada nos artigos 303 a 333, no Livro das Obrigações, especificamente no Título III – DO ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES. O pagamento é entendido como o meio de extinção normal das obrigações, consistindo na entrega de uma prestação (dar, fazer ou não fazer) devida pelo devedor ao credor.
Segundo está dito no § 1º, deste artigo, “salvo disposição em contrário, o prêmio deverá ser pago à vista e no domicílio do devedor”. É o locus do lugar do pagamento.[5]
O § 2º deste artigo determina que é vedado o recebimento do prêmio antes de formado o contrato, salvo o caso de cobertura provisória.
A formação do contrato no Código Civil Brasileiro segue os princípios gerais do direito contratual, incluindo a autonomia da vontade e a obrigatoriedade dos pactos.[6] Já nos contratos de adesão, como é o de seguro, quando houver cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.[7]
Já no que tange a cobertura provisória no contrato de seguro ela tem por finalidade garantir que o segurado esteja coberto durante o período de análise – aceitação ou não do risco – pela seguradora. Em síntese apertada, é uma garantia inicial da seguradora visando assegurar riscos imediatos, com duração limitada. Trata-se de uma prática comercial agasalhada pela nossa jurisprudência.
O artigo 20 da nova lei trata da mora relativa à prestação única ou à primeira parcela do prêmio quando se resolve de pleno direito o contrato, salvante convenção, uso ou costume em contrário.
Em direito a mora é o retardamento injustificado no cumprimento da obrigação. No contrato de seguro ela está prevista em dispositivo legal previsto no atual Código Civil.[8] A verdade é que este dispositivo foi mitigado por uma súmula do Superior Tribunal de Justiça[9], cuja redação é a seguinte: “A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”.
Atento a este entendimento pretoriano o §2º deste artigo da novel lei, determinou:
“A notificação deve ser feita por qualquer meio idôneo que comprove o seu recebimento pelo segurado e conter as advertências de que o não pagamento no novo prazo suspenderá a garantia e de que, não purgada a mora, a seguradora não efetuará pagamento algum relativo a sinistros ocorridos a partir do vencimento original da parcela não paga”.
E, de imediato, acentua o §3º deste artigo:
“Caso o segurado recuse o recebimento da notificação ou, por qualquer razão, não seja encontrado no último endereço informado à seguradora, o prazo previsto no § 1º deste artigo terá início na data da frustação da notificação”.
Acredito que o legislador cuidou de dar a este último parágrafo deste dispositivo legal, uma atenção demasiada ao segurado, acreditando pautar essa conduta nos ditames oriundos do CDC que trata, como regra geral, da proteção dos interesses das partes mais vulneráveis nestas modalidades contratuais.[10]
A resolução do contrato de seguro, a teor do artigo 21 da nova lei, ressalva que quando se tratar de mora da prestação única ou da primeira parcela do prêmio, aquela estará condicionada a notificação prévia não podendo ocorrer em prazo inferior a 30 (trinta) dias após a suspensão da garantia.
Ao se reportar a suspensão da garantia por ocasião do pagamento do prêmio, já advertia Antigono Donati, Professor de Direito de Seguro da Universidade de Roma, verbis:
“Durante la sospensione, cioè prima che il premio venga pagato, se si verifica il sinistro l’ assicuratore non è tenuto alla prestazione, poichè l’art. 1901 è derogabile a favore dell’assicurato, sono valide le clausole che – como è previsto dalla legge per i premio successivi – facciano precedere anche la sospensione per inadempimento al primo o unico premio da un período di tolleranza ed è pure valida ed efficace la rinuncia dell’assicuratore a invocare la sopensione – ed è meno rara per la sospensione per inadempimento ai premi successivi – ma la rinuncia deve essere chiara in tal senso e non può essere indotta da elementi non concludenti o dubbi”.[11]
Em tradução livre: “Durante a suspensão, ou seja, antes do pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro, a seguradora não é obrigada a fornecer o benefício. Enquanto o artigo 1901[12] for derrogável em favor do segurado, são válidas as cláusulas que –conforme previsto em lei para os prêmios subsequentes estipularem também a suspensão – por falta de pagamento do primeiro ou único prêmio com um período de carência – e a renúncia em invocar a suspensão também é válida e eficaz – e é menos rara a suspensão por falta de pagamentos de prêmios subsequentes – mas a renúncia deve ser clara neste sentido e não pode ser induzida por elementos inconclusivos ou duvidosos”.
A resolução libera integralmente a seguradora por sinistros e despesas de salvamento ocorridos a partir de então.[13]
O segurado, ensina Alexandre Del Fiori,[14] “suportará as despesas efetuadas para o salvamento e a contenção de sinistros relativos aos bens/interesses não garantidos pela apólice”.
Ato contínuo, arremata: “não estarão abrangidas as despesas incorridas pelo segurado com a prevenção ordinária de sinistros, em relação aos bens, instalações e interesses segurados, assim considerados também quaisquer despesas de manutenção, segurança, conserto, renovação, reforma, substituição preventiva e outras afins inerentes ao ramo de atividade de cada segurado”.[15]
Nos seguros coletivos sobre a vida e a integridade física, a resolução somente ocorrerá 90 (noventa) dias após a última notificação feita ao estipulante.[16]
Como determina a nova lei no tocante ao Sistema Nacional de Seguros, a seu tempo, serão revogados os “arts. 9º a 14 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966.”[17]
Significa dizer que os parágrafos do artigo 21 daquele diploma que cuidam do estipulante ficarão vigendo, mesmo quando ultrapassado o período da vacatio legis. Impende sublinhar, que aquele Decreto-Lei, disse: “o estipulante é a pessoa que contrata seguro por conta de terceiros, podendo acumular a condição de beneficiário.”[18]
“Nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados”.[19]
No tocante aos seguros sobre a vida e a integridade física, diz o § 3º, deste artigo, uma vez estruturados com reserva matemática, o não pagamento de parcela do prêmio que não a primeira implicará a redução proporcional da garantia ou a devolução da reserva, conforme a escolha do segurado ou de seus beneficiários, a ser feita dentro de 30 (trinta) dias contados da notificação do inadimplemento, da qual deve constar a advertência de que, se houver abstenção nesse escolha, a decisão caberá à seguradora. Essa cláusula reflete os princípios gerais de seguros estruturados com reserva matemática e segue normas de boa prática no setor.
O dispositivo oferece alternativas ao segurado ou aos beneficiários em caso de inadimplência do prêmio. Essa flexibilidade é positiva, pois respeita os interesses dos envolvidos. A redução proporcional da garantia permite a manutenção do contrato, ainda que com cobertura ajustada ao valor já pago. Por outro lado, a devolução da reserva concede liquidez ao segurado.
A exigência de notificação assegura que o segurado seja devidamente informado sobre sua inadimplência e suas opções. O prazo de 30 dias é razoável, permitindo ao segurado ou beneficiários analisarem a situação e tomarem uma decisão consciente.
Caso o segurado ou os beneficiários não se manifestem dentro do prazo, a cláusula transfere à seguradora a decisão sobre a forma de continuidade. Isso é usual, mas é importante que a seguradora atue com transparência e de forma a minimizar prejuízos aos beneficiários, em respeito ao princípio da boa-fé.
Em contratos de seguro estruturados com reserva matemática, o valor acumulado é essencial para a continuidade das garantias. Esse dispositivo busca proteger o equilíbrio atuarial do contrato e os direitos do segurado.
A redação destes clausulados deverão ser claros e destacados visando garantir que o segurado tenha pleno entendimento da situação, antes mesmo de contratar o seguro.
Tanto seguradora quanto segurado devem agir com transparência e lealdade na relação contratual, minimizando futuros conflitos.
O §4º, assevera que o prazo previsto, na cabeça do artigo 21, iniciará na data da frustação da notificação sempre que o segurado ou o estipulante recusar o recebimento ou, por qualquer razão, não for encontrado no último endereço informado à seguradora ou no que constar dos cadastros normalmente utilizados pelas instituições financeiras. Trata-se de um dispositivo legal autoexplicativo. Todavia, cabe o registro que a redação imposta pelo legislador objetiva, ao extremo, à proteção ao consumidor como soe acontecer nos diplomas confeccionados para essa finalidade.
No último parágrafo, isto é, o 5º, é dispensada a notificação de suspensão de garantia, de que tratam os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo antecedente, (artigo 20), quando se advertir que haverá resolução do contrato na hipótese de não purgação da mora. Aqui, o legislador, não contemplou qualquer benesse às partes mais vulneráveis neste contrato. A advertência da não purgação da mora, irá resolver o contrato, aplicando-se o que diz a doutrina italiana, Nessun rischio senza premio. Essa é a exegese que se extraí daquele diploma legal.[20]
O artigo 22 da nova lei aduz que nos seguros sobre a vida e a integridade física, o prêmio poderá ser convencionado por prazo limitado ou por toda a vida do segurado.
Confesso que quando se determina que o prêmio poderá ser convencionado “por toda a vida do segurado”, me assalta uma veemente intranquilidade, já que na advocacia militante tive muita dificuldade na compreensão de determinados magistrados quanto à aplicabilidade e entendimento dos cálculos atuarias que projetam os prêmios nos seguros de vida.
Ao comentar sobre seguros coletivos de pessoas em uma das obras de minha autoria, disse:[21]
Em sede de decisão em medida cautelar, aforada no feito que patrocinei os interesses dos segurados, destacou o eminente Juiz Titular da Sexta Vara Cível do DF, à época, José Guilherme de Souza:
“Destarte, se uma seguradora chega ao ponto de alegar para o seu corpo de segurados que o desequilíbrio atuarial em que a mesma se encontra, onde a relação prêmios versus sinistros chegou a patamares que a tornou altamente deficitária forçará ao cancelamento de uma apólice-mestra de seguro de vida em grupo, é possível inferir, embora não se possa afirmar com segurança absoluta, que tal desequilíbrio somente pode ter sido gerado por má administração não necessariamente dolosa, advirta-se), dos recursos injetados na instituição, fraturando a proporcionalidade segura que existia entre os fatores prêmios/ sinistros/ coberturas, pois, como dito, a estatística conforta em favor da entidade seguradora, qualquer projeção que se queira fazer em cima dessas ocorrências”.
Por outro lado, registro eu, que o legislador não especificou no artigo 22 da nova lei se se trata de seguro de vida individual, ou coletivo. Porém, nesta passagem, no que tange ao prêmio, o legislador deixou em aberto.
Por fim, no que concerne a essa Seção, o artigo 23 determina:
“Caberá execução para a cobrança do prêmio, se infrutífera a notificação realizada pela seguradora, e sempre que esta houver suportado o risco que recai sobre o interesse garantido”.
Cabe, portanto, o registro que o legislador adotou o mesmo procedimento – forma executiva – nas ações de cobrança dos prêmios dos contratos de seguros plasmados nas disposições especiais aplicáveis ao sistema do Decreto-Lei número73/66, que continuará vigente, inobstante a vigência da nova lei que começará a ser aplicada depois do decurso de um ano de sua publicação.[22]
Impende sublinhar que o CPC de 2015 estabelece na parte que se refere aos títulos executivos extrajudiciais que se adota essa medida constritiva a todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.[23]
Encerro estes comentários em relação a mais um dos princípios básicos que norteiam o contrato de seguro.
Nesta ocasião, desejo votos de BOAS FESTAS AO EDITOR DESTE SITE E A TODOS OS SEUS LEITORES, e DIGNAS LEITORAS.
Porto Alegre, Natal de 2024.
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Lei número 15.040, de 9 de dezembro de 2024.
[2] Dicionário de Seguros. Alexandre Del Fiori. Lisbon Internacional Press. 1ª Edição. Abril, 2022, página 415.
[3] Autor e Obra citada, página 304
[4] Artigo 252 do atual Código Civil.
[5] Artigo 327 do nosso Código Civil.
[6] Artigos 421 e 422 do CC.
[7] Vide artigos 423 do Código Civil e artigo 47 do CDC.
[8] Artigo 763.
[9] Súmula 616.
[10] Da Proteção Contratual. Artigos 46 a 50 do CDC.
[11] Trattato Del Diritto Delle Assicurazione Private, volume Secondo. Milano. Dott. A. Giuffrè Editore, 1954, página 376.
[12] Alusão ao Código Civil Italiano.
[13] § 1º do artigo 21 da nova lei.
[14] Obra citada em nota de rodapé sob número 2.
[15] Ibidem.
[16] §2º do artigo 21 da lei em comento.
[17] Artigo 133 da nova lei.
[18] § 1º do artigo 21 daquele Decreto-Lei.
[19] § 2º do mesmo dispositivo.
[20] Vide artigo 1882 do Código Civil Italiano.
[21] Voltaire Marensi. O Seguro No Direito Brasileiro, 9ª edição, editora Lumen Juris, 2009, páginas 402/403.
[22] Artigo 27 do Decreto-Lei número 73/66.
[23] Inciso XII, do artigo 784 do Código de Processo Civil.
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