As Catástrofes Climáticas e o Papel do Seguro Garantia na Mitigação de Seus Efeitos
O Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul – IARGS – irá lançar na 70ª Feira do Livro uma obra coletiva, denominada “Enchentes RS” – Artigos Jurídicos sobre a Calamidade Pública” – no dia 17/11, às 14 horas, com tarde de autógrafos de todos os participantes desta Coletânea criada pela Diretoria deste Egrégio Sodalício.
Neste sentido, estimulado em desenvolver mais um outro breve estudo sobre o maior desastre climático registrado na história de nosso Estado, assim como motivado pelo ensaio desenvolvido por uma colega,[1] que não faz parte integrante desta Instituição, valho-me, nesta oportunidade, para tentar desenvolver algumas outras considerações sobre o tema em epígrafe.
A crescente frequência e intensidade das catástrofes climáticas têm imposto enormes desafios econômicos e sociais ao redor do mundo. Esses eventos extremos, como furacões, enchentes e secas severas, resultam em significativas perdas patrimoniais e na necessidade de reparação de infraestrutura. Nesse contexto, o seguro garantia emerge como uma ferramenta eficaz para a mitigação dos impactos econômicos das catástrofes climáticas, oferecendo uma alternativa para a transferência de riscos e promovendo a estabilidade financeira em cenários de incerteza.
Pois bem. De fato, o seguro garantia é um contrato pelo qual uma seguradora, mediante o pagamento de um prêmio pelo tomador (o contratante), garante o cumprimento das obrigações deste perante o segurado (beneficiário). Cuida-se de uma modalidade contratual muito utilizada em obras públicas, licitações e contratos de prestação de serviços, assegurando que as obrigações contratuais serão cumpridas conforme acordado.
No contexto das catástrofes climáticas, o seguro garantia se apresenta como um mecanismo de proteção financeira que pode ser aplicado de forma inovadora. Em vez de garantir apenas a execução de obrigações contratuais tradicionais, o seguro garantia pode ser utilizado para assegurar a recuperação de áreas afetadas, a reconstrução de infraestrutura essencial e a indenização por perdas econômicas decorrentes de eventos climáticos extremos.
As catástrofes climáticas provocam danos significativos à infraestrutura, aos ecossistemas e à vida humana, gerando custos elevados para governos, empresas e indivíduos. Além das perdas materiais, há custos indiretos associados à interrupção de atividades econômicas, impactos à saúde pública e perda de receitas fiscais. Essa realidade impõe uma demanda crescente por mecanismos eficazes de gerenciamento de riscos e mitigação de danos. É o caso que aconteceu no nosso glorioso Estado gaúcho em que o agronegócio, entre muitos outros, sofreram efeitos impactantes na nossa economia.
Os instrumentos tradicionais, como o seguro patrimonial, muitas vezes não são suficientes para cobrir todos os prejuízos causados por desastres naturais, especialmente em eventos de grande magnitude. Nesse sentido, o seguro garantia surge como uma solução alternativa, uma vez que permite a adaptação de coberturas específicas para situações de emergência, agregando maior segurança jurídica e financeira para os envolvidos.
Esta modalidade de seguro pode contribuir para a mitigação dos efeitos das catástrofes climáticas de diversas formas, conforme se deduz pelas razões a seguir expostas.
Após uma catástrofe climática, a recuperação de áreas afetadas e a restauração de serviços essenciais tornam-se tarefas prioritárias. O seguro garantia pode ser utilizado para garantir a execução de obras de reconstrução e a reparação de danos, assegurando que os contratos com empresas de construção, fornecimento de materiais e serviços sejam cumpridos conforme o estipulado. Isso reduz os riscos de atrasos e inexecução, que são comuns em situações emergenciais.
Grandes projetos de infraestrutura, como barragens, rodovias e sistemas de abastecimento de água, estão frequentemente expostos a riscos climáticos. Ele, vale dizer, seguro garantia, pode ser uma ferramenta essencial para viabilizar esses projetos, oferecendo garantias adicionais para investidores e financiadores quanto à continuidade das obras, mesmo em situações adversas. Com a possibilidade de transferir parte dos riscos associados a catástrofes, os projetos se tornam mais atrativos e seguros do ponto de vista financeiro.
De outro giro, sua utilização em contratos públicos pode incentivar a adoção de práticas que aumentem a resiliência de infraestruturas e comunidades aos impactos climáticos. Ao vincular a contratação de seguros ao cumprimento de exigências técnicas que visem a adaptação às mudanças climáticas, é possível promover obras e intervenções mais sustentáveis. Dessa forma, o seguro não apenas protege contra os riscos, mas também estimula medidas preventivas, como a construção de infraestruturas mais resistentes e a implementação de políticas de gerenciamento de riscos.
Impende sublinhar, por outro lado, que a legislação brasileira reconhece o seguro garantia como uma modalidade válida de garantias contratuais, estando regulamentada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). A Resolução CNSP nº 382/2020 e a Circular SUSEP nº 662/2022 tratam das regras aplicáveis a esse tipo de seguro, estabelecendo requisitos para a emissão de apólices e os direitos e deveres das partes envolvidas.
No contexto de catástrofes climáticas, a regulamentação existente oferece a flexibilidade necessária para adaptar os contratos de seguro garantia às exigências específicas dos projetos e das circunstâncias envolvidas. No entanto, há, presentemente, espaço para o desenvolvimento de novas normativas que incentivem a utilização mais ampla desse instrumento em cenários de risco climático, como a criação de linhas de crédito especial para projetos garantidos por apólices de seguro garantia voltadas à recuperação de áreas afetadas o que constituiria uma ocasião de se repensar quando estão sendo objeto de estudos e encontram-se em análise, em pauta considerada como na berlinda em nosso Congresso Nacional, Leis[2] – aliás de hierarquia superior a Resoluções e Circulares no decurso deste último semestre de 2024.
Embora esta modalidade securitária tenha potencial significativo para a mitigação dos impactos econômicos de catástrofes climáticas, existem desafios a serem superados. Entre eles, destacam-se:
Precificação adequada dos riscos: A precificação dos seguros deve levar em consideração os riscos climáticos de forma precisa, o que pode ser um desafio diante da incerteza e variabilidade dos eventos extremos.
Conscientização e educação do mercado: Ainda existe uma percepção limitada sobre as possibilidades de aplicação do seguro garantia em situações de catástrofes climáticas. É necessário promover uma maior conscientização sobre os benefícios e a viabilidade desse instrumento em contextos emergenciais.
A meu sentir, objetivando maximizar a eficácia do seguro garantia, é importante integrá-lo com políticas públicas de gerenciamento de riscos e resposta a desastres. A sinergia entre o setor público e privado pode resultar em soluções mais robustas e abrangentes.
Deveras. O seguro garantia é um instrumento jurídico e financeiro que pode desempenhar um papel crucial na mitigação dos efeitos das catástrofes climáticas, garantindo a execução de contratos e a recuperação de áreas afetadas. Sua aplicação oferece vantagens significativas em termos de transferência de riscos, segurança jurídica e estímulo à resiliência. Contudo, para que seu potencial seja plenamente explorado, é necessário superar desafios regulatórios e promover uma maior conscientização sobre sua utilização em contextos de risco climático, sobretudo pensando em uma inclusão no contexto de nosso ordenamento jurídico, sob o rótulo de Lei neste Marco Legal do Seguro como é de conhecimento dos operadores da área securitária.
Portanto, a adoção estratégica do seguro garantia em políticas de mitigação e adaptação climática representa uma oportunidade para reforçar a resiliência das infraestruturas e economias, garantindo a proteção financeira diante de eventos climáticos cada vez mais severos e frequentes.
É o que penso.
Porto Alegre, 15/10/2024.
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Bruna Carolina Bianchi. Advogada e Gestora da equipe de Sistema Financeiro Habitacional no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria. www.migalhas.com.br/depeso/417256/a-relevancia-do-seguro-garantia-cresce-com-o-aumento-de-desastres.
[2] Lei apresentada pelo IBDS e Reforma de nosso atual Código Civil.
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