Governança Corporativa para pequenas e médias empresas, por que não?
Por Marco Juarez Reichert
Cerca de um século depois da Primeira Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra há mais de duzentos anos, veio a Segunda Revolução Industrial, com o surgimento de uma pujante indústria de petróleo, de energia elétrica, do aço e da química. Com essa base vieram as outras indústrias, como a emblemática Ford, símbolo de uma era. Começam a surgir indústrias e mais indústrias em diferentes países. Iniciam-se os problemas de gestão, pois a exigência passa a ser cada vez maior nas habilidades para administrar essas empresas. Com as indústrias, cresce o varejo e os serviços, em suma, as organizações. A complexidade e multiplicidade do mundo dos negócios aumenta, significativamente, com o passar dos anos, assim como o crescimento das empresas e do número delas. Trocam as gerações no comando dos negócios familiares. É bem aí, que começam a aparecer problemas de difícil solução, chegando, frequentemente, a serem insanáveis e geradores de conflitos graves entre sucessores e herdeiros. Vieram, na sequência, a “Terceira” e a presente “Quarta Revolução Industrial”. Vemos que o mesmo problema ainda se repete em incontáveis organizações. Ousaria dizer que na maioria das empresas familiares. Como consequência, pode-se esperar perda significativa do valor dessas empresas e levá-las, até mesmo, ao encerramento das atividades. Pior ainda, à falência.
Como mitigar esses conflitos societários e riscos para o negócio, a fim de que a empresa se torne longeva, e sem os dissabores dos litígios entre sócios, parentes ou amigos, ou de seus familiares das gerações posteriores a dos fundadores? Temos casos emblemáticos e públicos no país, como o das Casas Pernambucanas – vale a pena pesquisar na Internet e aprender com o “case” – que provocou disputas judiciais entre as partes da sociedade, desde a década dos anos de 1980 e foram resolvidas mediante acordo assinado no dia dez de julho de 2024. A rede varejista neste tempo todo perdeu competitividade. Já não conseguia ter uma governança trabalhando em uníssono com uma estratégia comum às partes divergentes. Cada holding de núcleos familiares “puxava” para o seu lado e o crescimento do grupo ficou prejudicado.
Segundo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa (GC) do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), uma das respostas, que aqui abordamos, trata da implementação de um sistema recomendado para dirigir e monitorar o desempenho, o compliance, mitigar os riscos diversos e incentivar as organizações, para preservar a existência do negócio, levando-as à longevidade e à agregação de valor aos stakeholders. A estratégia deve garantir resultados superiores à média do mercado. A este sistema, chamamos de “Governança Corporativa”.
As empresas grandes, familiares ou não, de capital privado ou público, fechado ou aberto, costumam ter o sistema de GC implementado. As empresas listadas em bolsa, certamente. Vemos falhas na governança dos grandes? Sim, principalmente por conflito de interesses. A alta gestão, em alguns casos, nem sempre está em compliance (não segue as boas normas de conduta e ética). Vimos isso acontecer na maior empresa brasileira, a Petrobrás, à época do incomparável escândalo do “Petrolão”; vimos ainda, recentemente, na grande varejista “Lojas Americanas”, fato de conhecimento público, que dominou as manchetes e deixou a todos nós perplexos. Os eventos descritos são péssimos para o mercado e a credibilidade na GC. Contudo, a questão serve de catalisador para que as demais empresas se aprimorem, ainda mais, em seus sistemas de GC, com melhores práticas para gerir, monitorar, agir preventivamente (auditorias, manuais, políticas claras e objetivas ...). Mas a partir de que tamanho se deve pensar em começar a aplicar os conceitos de Governança Corporativa? Ela vale para pequenas e médias empresas, ou isso é coisa apenas para as grandes organizações? São dúvidas frequentes e que vamos tentar deixar clara a resposta.
Empresas pequenas costumam ter uma duração menor do que as maiores. Tanto é verdade isso, que em um processo de avaliação para encontrar o valor justo da empresa (Valuation), um componente do cálculo do custo do capital (Ke) é o tamanho da empresa. Este número “pune” os pequenos, pois considera que o risco de descontinuidade do negócio é maior, geralmente, do que nas grandes organizações. Isso leva a um custo de capital bem maior, que implicará em taxas de desconto significativas para trazer os fluxos de caixa projetados de anos futuros para o valor presente, reduzindo, sensivelmente, o valor do negócio. Esta conta é usada na metodologia de Valuation pelo Fluxo de Caixa Descontado (FCD), a mais usada no mundo. Mas qual a razão do mercado perceber esse problema para os pequenos negócios? É que, estatisticamente, eles não costumam durar muito. Um dos problemas é a falta de uma boa GC, ainda que ela esteja adequada ao porte pequeno ou médio da organização. Não se pode exigir para a PME toda a complexidade do sistema quando aplicado aos melhores níveis de mercado das empresas listadas em bolsa.
Quando se começa uma empresa, os sócios estão motivados, empreendendo todas suas energias para fazer o negócio prosperar. Não costumam pensar em fazer um acordo de sócios, estabelecendo regras claras para a sucessão, o que evitará aborrecimentos graves no futuro. O que precisa ser entendido é a diferença entre a família, a propriedade e a gestão. Nas empresas menores as três áreas costumam estar misturadas quando entram os filhos dos sócios, que se acham donos e não o são, a não ser que tenham suas ações ou cotas de capital social na empresa. Ser filho de um sócio não lhe dá direito a nada. Ele é apenas um membro da família e possível herdeiro algum dia. Se a empresa tiver muitos sócios, isso não quer dizer que todos devem trabalhar nela, nem de se acharem nesse direito. A empresa precisa ter gestores profissionais. Se algum filho for apto, experiente e melhor do que outros candidatos, ele deve ser saudado como integrante na gestão. Os cargos devem ser preenchidos por merecimento, formação, experiência e habilidades que a função exige e não por grau de parentesco. O que as empresas mais estruturadas em sua GC costumam fazer para prevenir esses problemas futuros é desenvolver uma boa política de sucessão.
A GC deve seguir alguns princípios básicos e fazer com que sejam respeitados: Transparência ( as partes interessadas devem ter acesso às informações do negócio); Equidade (não discriminar o tratamento aos sócios, a nenhum deles, nem mesmo aos minoritários); Prestação de Contas (os entes da alta direção, executivos, diretoria, e conselheiros são responsáveis legais pelos seus atos e devem prestar contas à sociedade; e, Responsabilidade Corporativa (os entes devem guiar a organização para que ela seja sustentável, focando na longevidade do negócio).
Onde entra o Conselho de Administração? Uma sociedade pode escolher profissionais que os representem, em forma de colegiado, que vai cuidar da estratégia principal da organização, assegurar as medidas que a levem a ser longeva, a exigir prestação de contas dos gestores, inclusive com a responsabilidade de contratá-los ou desligá-los da empresa. No organograma, do ponto de vista vertical, o conselho está acima da diretoria, que a ele se reporta. O Conselho, por sua vez, se reporta aos sócios, nas assembleias. A evolução dos conselhos se encaminha para uma maior contribuição em todas as áreas da organização, embora não sejam seus gestores. É uma soma de experiências e de saber, em prol de todos os stakeholders. Uma PME pode ter um conselho pequeno, com dois sócios e um profissional de mercado com perfil adequado para o cargo, sem relação de parentesco com nenhum deles. O custo será bem menor do que um conselho com grandes “figurões” do mercado. Com um número mínimo de três conselheiros, o gasto fica assimilável. Os benefícios de ter um conselho, ainda que pequeno, serão percebidos rapidamente pela organização.
Vale muita a pena, as empresas pequenas e médias se espelharem nas grandes e considerarem a profissionalização da gestão, com a implementação do melhor sistema existente até o momento, a fim de preservar as organizações no tempo e sempre gerando valor, em um mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA). O país depende delas. Que façam isso o quanto antes, sem medo de serem felizes!
* Marco Juarez Reichert
Bacharel em Administração de Empresas (FEEVALE); MBA em Finanças e Governança Corporativa (ESPM); Pós-MBA em Inteligência Empresarial (FGV); Especialização em Negócios Inteligentes e Indústria 4.0 (FIA); Extensão em Valuation (Oxford University − Inglaterra). Escritor, Palestrante, Consultor empresarial e Conselheiro de Administração certificado (IBGC).
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