Protegendo seu negócio e o meio ambiente: Estratégias para escolha de seus parceiros de transporte
Por Luciana Camponez Pereira Moralles e Bruno Rodrigo Klesse Moreira
Ao lidar com a legislação nacional sobre meio ambiente, não raras vezes o empreendedor enfrentará termos não convencionais ao quotidiano de suas operações. Expressões como “responsabilidade civil objetiva”, “responsabilidade civil solidária”, “obrigação de reparação in natura”, “poluidor indireto”, “risco integral”, dentre outras, são bastante comuns quando consideramos possíveis impactos e danos ambientais das atividades empresariais. Operações de expedição e transporte de carga não fogem a isso, especialmente em se tratando de produtos perigosos e/ou poluentes.
A Constituição Federal de 1988 privilegiou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito de fundamental importância para as atuais e futuras gerações. Não por outro motivo, qualquer pessoa, física ou jurídica, que desenvolva atividades ou condutas lesivas ao meio ambiente fica sujeita à obrigação de reparar os danos causados, em função do próprio texto constitucional.
Neste ponto, cabe alguns esclarecimentos. Obrigação de reparar danos é imposição legal a supostos poluidores quando falamos da esfera cível. A esfera cível tem por objetivo a mitigação dos danos causados, o retorno à situação anterior à ocorrência dos impactos negativos (conhecida por status quo ante, para usarmos o bom e velho latim), por meio de duas formas: (i) reparação do dano in natura, ou seja, tomada de providências concretas para restauração da área afetada (reflorestamento, descontaminação, etc) ou (ii) indenização, entendida como a condenação do infrator ao pagamento de determinado valor pecuniário em não sendo possível a restauração do sistema impactado.
Embora seja preferível a imposição da reparação do dano in natura, há entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de ser possível a aplicação da obrigação de fazer em conjunto com a de indenizar, a fim de se alcançar a reparação integral do dano causado ao meio ambiente (vide Súmula nº 629 do STJ).
Ainda a título de considerações, vale dizer que, em direito ambiental, a responsabilização cível ocorre de forma objetiva e solidária. Por responsabilidade objetiva, entende-se aquela em que o agente responderá legalmente independentemente da existência de culpa, bastando que sejam verificados três elementos: (i) conduta ou omissão da pessoa a ser responsabilizada, (ii) existência de dano ambiental e (iii) nexo de causalidade, ou seja, conexão lógica entre a conduta e o dano. A responsabilidade solidária, por sua vez, é o instituto jurídico que determina que, havendo mais de um poluidor, todos responderão em conjunto pelo dano acarretado integralmente, não cabendo discussão sobre determinado sujeito ter sido mais ou menos responsável pelo fato.
As considerações acima importam justamente porque a legislação ambiental define como poluidor tanto a pessoa que agiu diretamente para que o impacto ambiental ocorresse (“poluidor direto”) quanto a pessoa que contribuiu ou forneceu condições para que o dano ambiental se concretizasse (“poluidor indireto”). Ambos, poluidor direto e poluidor indireto, são responsáveis objetiva e solidariamente pelo dano verificado. É neste contexto que surgem os riscos para os expedidores de cargas poluentes ou perigosas durante a atividade de transporte realizada por terceiros.
Para exemplificar, imaginemos a seguinte situação: determinada empresa (Empresa “A”) que atua com exportação marítima de óleos, produto considerado poluente, contrata transportadora terceira (Empresa “B”), alheia ao seu grupo econômico, para que certa carga de óleo seja conduzida até o porto mais próximo. Durante o trajeto, o veículo da empresa B sofre um acidente, culminando no derramamento da carga poluente/perigosa na pista e também na paisagem local, identificada por floresta e rios. Em tal contexto, quem poderia ser responsabilizado judicialmente pelos possíveis impactos ambientais? Somente a Empresa B, já que responsável pela operação de transporte? Somente a Empresa A, em vista de ser a proprietária da carga poluente? Ou ambas as empresas, em função de atuarem em conjunto na operação de expedição e transporte?
Pois bem. No exemplo mencionado, a Empresa B sem dúvidas será responsabilizada pelos danos ambientais oriundos do derramamento, na condição de poluidora direta. Em função da responsabilidade objetiva, a transportadora não poderá alegar que não foi culpada pelo acidente, cabendo a ela a reparação dos impactos ao meio ambiente.
E a Empresa A, expedidora e proprietária da carga? A despeito de não haver entendimento consolidado e claro nos tribunais brasileiros sobre a responsabilidade da empresa expedidora de carga, é certa a possibilidade de que seja ela responsabilizada, na condição de poluidora indireta, junto com a transportadora contratada, seja pela natureza poluente da carga da qual é proprietária seja pelo fato de sua atividade empresarial contribuir para que eventos dessa natureza ocorram (teoria do risco da atividade). Vale lembrar que, em sendo responsabilizada, a expedidora da carga poderá também ser compelida a restaurar o dano integralmente, em função de possível responsabilidade solidária reconhecida.
Como é bastante concreta a possibilidade de a empresa expedidora da carga ser responsabilizada solidariamente com a empresa transportadora na ocorrência de evento danoso ao meio ambiente, é fundamental que as expedidoras tomem certas precauções ainda antes da pactuação do transporte necessário. Contratação de seguros específicos para acidentes, manutenção de documentos ambientais atualizados (como licenças de operação e Cadastro Técnico Federal-CTF, por exemplo) e realização de auditorias prévias das transportadoras a serem contratadas são apenas algumas medidas indispensáveis para que, em sede judicial, não sendo possível excluir completamente a responsabilização da proprietária da carga, seja possível ao menos o abrandamento de sua condenação.
Enquanto operadora de produtos poluentes ou perigosos, a expedidora de carga poderá naturalmente ser responsabilizada em conjunto com a transportadora, enquanto poluidora indireta. No entanto, sendo demonstrada sua conduta diligente, com todos os cuidados e precauções necessárias para a oportunização de um transporte ecologicamente seguro e sustentável, figura-se possível sim sustentar defesa para que eventual responsabilização se dê na exata proporção de sua efetiva contribuição ao dano.
* Luciana Camponez Pereira Moralles é advogada especialista em Direito Ambiental e Regulatório do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.
*Bruno Rodrigo Klesse Moreira é advogado especialista em direito ambiental e regulatório do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
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