Plano de Saúde. Interpretação Extensiva do STJ
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
No julgamento de um processo relatado pela Ministra Fátima Nancy Andrighi, especificamente no recurso especial sob número 1.962.984/SP, datado de 15 de agosto de 2023, o Superior Tribunal de Justiça, analisando o caso de uma usuária de plano de saúde, entendeu que ela, acometida de câncer de mama, poderia por efeitos da quimioterapia correr o risco de infertilidade em seu tratamento. Daí a determinação imposta ao plano da criopreservação dos óvulos, obedecendo princípio médico de primum, non nocet, em vernáculo, primeiro, não prejudicar.
Em consequência, estendeu a cobertura de uma obrigação de fazer (cobertura do procedimento), até à alta da quimioterapia.
Da mesma sorte, no decorrer da presente semana, uma empresa televisiva noticiou que em meados do mês passado, uma paciente com câncer de útero teve o mesmo desfecho do processo acima mencionado, ou seja, estendeu a cobertura para que a paciente usuária de plano de saúde tivesse o mesmo tratamento. Em outras palavras, determinou que a operadora de plano de saúde custeasse o procedimento de criopreservação de óvulos, como medida preventiva à infertilidade.
Como no caso precedente tive acesso ao conteúdo da ementa, ali foi feita a dicotomia entre tratamento da infertilidade – que, segundo a jurisprudência, não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde,[1] ao passo que a prevenção à infertilidade, tem efeito adverso no tratamento prescrito ao paciente em seu tratamento de saúde.
Pois bem. Segundo o item 5 da ementa daquele processo acima identificado, que, aliás, teve ampla divulgação no site de pesquisa do STJ[2], o princípio do primum, non nocere, em vernáculo, - primeiro, não prejudicar -, não impõe ao profissional da saúde um dever absoluto de não prejudicar, mas o de não causar um prejuízo evitável, desnecessário ou desproporcional ao paciente, provocado pela própria enfermidade que se pretende tratar; dele se extrai um dever de prevenir, sempre que possível, o dano previsível e evitável resultante do tratamento médico prescrito.
Da mesma sorte, os itens subsequentes, vale dizer o 6º e o 7º, da sobredita ementa, são conclusivos ao afirmarem, verbis:
“Na ponderação entre a legítima expectativa da consumidora e o alcance da restrição estabelecida pelo ordenamento jurídico quanto aos limites do contrato de plano de saúde, que, se a operadora cobre procedimento de quimioterapia para tratar o câncer de mama, há de fazê-lo também com relação à prevenção dos efeitos adversos e previsíveis dele decorrentes, como a infertilidade, de modo a possibilitar a plena reabilitação da beneficiária ao final do seu tratamento, quando então se considerará devidamente prestado o serviço fornecido”.
Deveras, finaliza a relatora,” se a obrigação de prestação de assistência médica assumida pela operadora de plano de saúde impõe a realização do tratamento prescrito para o câncer de mama, a ele se vincula a obrigação de custear a criopreservação dos óvulos, sendo esta devida até a alta do tratamento de quimioterapia prescrito também para o câncer de mama”.
Com foco no tema neste ensaio se pretende enfatizar à exaustão que o equilíbrio técnico atuarial deve ser observado em qualquer tipo de contrato que preveja custos e benefícios, mormente em contratos típicos de planos de saúde.
Impende sublinhar, que o sopro da mutualidade deve ser observado desde que tais situações não gerem fatos que comprometam princípios elementares propalados desde o direito romano por Ulpiano, vale dizer: suum cuique tribuere, alterum non laedere e honeste vivere.
Se for o caso que se adapte o direito que, certamente, deve evoluir rente aos fatos sociais.
Em face disto e do que afirmo neste artigo estamos hoje tratando da reforma de nosso Código Civil, que deve ser criteriosa e inovadora no que tange aos tempos modernos, sob pena de avançarmos demasiadamente em temas áridos, mas cujo conteúdo não contemple a necessidade da evolução e o desejo de bem servir, princípios pétreos de conduta que conduza o primado da ordem e do legado daquilo que é bom, digno e justo à nossa população.
É o que penso, s.m.j.
Porto Alegre, 1º de março de 2024
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Recursos Especiais números 1.815.796 e 1.590.221 citados na ementa.
[2] Recurso Especial, número 1.962.984/SP, datado de 15 de agosto de 2023, acima referenciado.
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