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Seguros na Interpretação do STJ

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Voltaire Marenzi - Advogado e Professor Voltaire Marenzi - Advogado e Professor

Tenho dito nas minhas crônicas que o Superior Tribunal de Justiça é a última palavra em sede de matéria infraconstitucional, o que vale dizer que ele abarca no seu todo a interpretação final do que está sendo posto em sede de julgamento referentemente a contrato de seguro. Essa afirmação se colhe, particularmente, pela leitura do inciso III, do artigo 105 da nossa Constituição Federal.

Trago para ciência de nossas distintas leitoras e atentos leitores, duas decisões que se encontram estampadas no Informativo Migalhas, datado de 06 de dezembro de 2023.

Uma delas diz respeito a um evento relativo a uma doença profissional em que não se deu cobertura ao segurado em decorrência de uma excludente prevista na apólice de seguro de acidentes pessoais.

A outra se refere a procedimento cirúrgico prescrito pelo médico assistente ao processo transexualizador, cujo julgamento reconheceu sua cobertura e afastou o caráter experimental e sua finalidade estética.

Vou me ater a tecer considerações, somente, da primeira delas, embora ambas sejam pertinentes a seguro de pessoas.

Dentro deste talhe, inicio dizendo que o acidente pessoal no contrato de seguro é decorrente de um evento súbito e involuntário em que o segurado tenha sido vitimado. Melhor. “Para os fins do Seguro Acidentes Pessoais, é todo evento súbito, com data caracterizada, exclusiva e diretamente externo, involuntário e violento, causador de lesão física que, por si só e independentemente de toda e qualquer outra causa, tenha como consequência direta a morte ou a invalidez permanente, total ou parcial, ou torne necessário tratamento médico”[1].

Tal matéria – acidentes pessoais – inclusive já “deu pano para manga” quando se discutiu até o final da linha, vale dizer, na oportunidade em que esse tema acabou aportando no Supremo Tribunal Federal, entendendo a Corte constitucional que o suicídio do segurado deveria ser enquadrado, também, como um seguro de acidente pessoal.

Já tive oportunidade de tecer diversas considerações sobre cláusulas inseridas em diversos contratos de seguro de vida, rectius, de pessoas que contratam a par desta garantia seguro decorrente de acidentes pessoais.

Hoje, por exemplo, existem cláusulas no seguro oriundo de acidentes pessoais que estão à mercê de Circulares e Resoluções da Susep cuja redação não é clara como determina o Código de Defesa do Consumidor, aliás, que se aplica às inteiras ao contrato de seguro de pessoas como, outrora, decidiu o STF em processos identificados no exemplo acima citado.

Pois bem. O caso noticiado acima julgado pelo Superior Tribunal de Justiça dizia respeito a um agravo interno interposto contra decisão que conheceu do agravo para dar provimento a um recurso especial.

Nas razões do agravo interno, sustentou a agravante a reconsideração da decisão, alegando para tanto que, a despeito de o recurso especial não ultrapassar o seu conteúdo, o evento doença profissional não pode ser excluída da cobertura securitária, na medida em que a interpretação restritiva não seria razoável ao caso em tela.

Neste norte, a parte segurada sedimentou sua posição afirmando que as lesões sofridas seriam caracterizáveis como acidente de trabalho, o qual estaria previsto expressamente na cobertura do contrato de seguro pactuado.

As razões esposadas pela segurada ainda tiveram arrimo no sentido de que a interpretação do contrato de seguro, sob o que está dito no Código Civil deve realizar-se de modo a compatibilizar os seus ditames ao disposto nos artigos 113 e 422 do nosso Código Civil, que evidenciam a boa-fé, trazendo à colação julgamentos precedentes a exemplo do AgRg no AREsp 42.273/RS, da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 18/10/2011, DJe de 25/10/2011.

Ademais, a cobertura por Invalidez Permanente por Acidente (IPA) relativa à perda, à redução ou à impotência funcional definitiva, total ou parcial, de um membro ou órgão por lesão física, causada por acidente pessoal, estando os micros traumas sofridos pelo operário, quando exposto a esforços repetitivos no ambiente de trabalho, são igualmente incluídos no conceito de acidente pessoal definido no contrato de seguro,

Como disse alhures, o tipo de enfermidade deriva de um ato-fato causado em decorrência de acidente pessoal, que não foi causado voluntariamente pelo segurado. Impende sublinhar que a invalidez permanente por acidente é a perda, redução ou impotência funcional definitiva ou total de um membro ou órgão por lesão física, causada por acidente pessoal coberto.

Via de regra, as cláusulas excludentes de cobertura por seguro de invalidez permanente nas apólices de seguro, data vênia, a meu sentir são frutos de decisões – seja em que esfera for -, que adotam Circulares e Resoluções exaradas pela SUSEP como razão de decidir que são acatadas pelo STJ como a última palavra em matéria infraconstitucional,

Ouso discordar de tal posicionamento não só por se estribar em princípios que são ditados por normas de hierarquia inferior à lei ordinária.

Ademais, se se entender contrariamente a adoção do IFPD (Invalidez Por Incapacidade Funcional Total e Permanente) no contexto de um seguro de vida ele poderá ser examinado sob outro viés.

Alguns experts da área manifestam inúmeras preocupações sobre os critérios de avaliação de incapacidade, dúvidas sobre a precisão dos diagnósticos ou preocupações financeiras em relação ao pagamento de indenizações. Sem dúvida, a definição “invalidez consequente de doença que cause a perda da existência independente do segurado, ocorrida quando o quadro clínico incapacitante inviabilizar de forma irreversível o pleno exercício das suas relações autonômicas (art. 17 da Circular SUSEP nº 302/2005), além de ser confusa sua redação e interpretação do que seja de fato essa situação, também é fruto de um clausulado que destaca uma incapacidade extrema e permanente que impacta a vida da pessoa, tornando-a dependente de cuidados e apoio contínuos.

Nesta direção o Superior Tribunal de Justiça já em outro precedente decidiu:

“Embora a cobertura IFPD (invalidez funcional) seja mais restritiva que a cobertura ILPD (invalidez profissional ou laboral), não há falar em sua abusividade ou ilegalidade, tampouco em ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade, não se constatando também nenhuma vantagem exagerada da seguradora em detrimento do consumidor”.[2]

Enfim, são preocupações que a meu sentir exsurge sobre os critérios de avaliação de incapacidade, dúvidas sobre a precisão dos diagnósticos ou preocupações financeiras em relação ao pagamento de indenizações. Sem dúvida, a definição “invalidez consequente de doença que cause a perda da existência independente do segurado, ocorrida quando o quadro clínico incapacitante inviabilizar de forma irreversível o pleno exercício das suas relações autonômicas (art. 17 da Circular SUSEP nº 302/2005), além de confusa redação e interpretação do que seja de fato essa situação, também é fruto de um clausulado que destaca uma incapacidade extrema e permanente que impacta a vida da pessoa, tornando-a dependente de cuidados e apoio contínuos.

Acredito que essa matéria sobre seguro de acidentes pessoais deva ser melhor e criteriosamente examinada quando passamos atualmente por uma fase em que existe uma Comissão de Juristas para a reforma do Código Civil e, a par deste fato, se antevê a possibilidade de aprovação de um Código de Seguros elaborada pelo IBDS.

Esta situação, embora isolada, é uma sugestão que entre outras tantas deverá ser melhor dissecada para que se procure fazer uma lei mais moderna e atual para maior comodidade de todos os que participam, direta, ou indiretamente, de uma construção que o legislador irá contemplar a todos os que se utilizam do instituto do seguro.

É o que penso, s.m.j.

Porto Alegre, 07/12/2023

Voltaire Marenzi - Advogado e Professor

[1] Glossário de Seguros. Site Fenacor.

[2] Resp. 1845943/SP.


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