Mudanças no PL do direito autoral podem gerar insegurança jurídica no setor de produção audiovisual e musical
Renegociação sobre o contrato já celebrado pode gerar risco de ofensa ao ato jurídico perfeito, que é aquele em que já se consumou de acordo com a lei vigente à época, não podendo ser modificados por lei posterior
Atores vêm se manifestando nas redes sociais contrários à nova redação do projeto de lei sobre direito autoral que, segundo eles, não inclui pagamento dos direitos dos artistas sobre obras que já foram realizadas e ainda são exploradas comercialmente. O advogado Marcelo Goyanes, especialista em Propriedade Intelectual, Tecnologia e Entretenimento, explica que essa tentativa de forçar uma renegociação sobre contratos já celebrados pode gerar risco de ofensa ao ato jurídico perfeito e insegurança jurídica, afastando investimento nacional e, sobretudo estrangeiro no mercado.
“A renegociação de contratos já celebrados pode causar uma insegurança jurídica para todas as partes que negociaram. Muitos artistas entendem que os contratos já celebrados devem ser revistos porque, teoricamente, foram assinados em um contexto diferente do atual, quando a internet não exercia o mesmo impacto econômico no mercado. E, agora, caso o projeto de Lei 2.370/2019 venha a ser aprovado, novos direitos de remuneração seriam criados a titulares de direitos autorais pela utilização de obras e fonogramas na internet, o que poderia levar à necessidade de revisão de diversos contratos”.
De acordo com Goyanes, os maiores beneficiados seriam os autores, como os artistas, intérpretes, músicos executantes, escritores, compositores e produtores audiovisuais, ou seja, titulares originários de direitos autorais de obras protegidas que circulam pela internet.
“Por outro lado, os que teriam que pagar essa remuneração adicional, que está sendo agora estabelecida de uma forma quase compulsória se comparado ao texto da legislação atual, seriam os provedores de aplicações de internet, como as plataformas que oferecem conteúdo audiovisual e musical, as redes sociais, dentre outras”, diz Marcelo Goyanes.
O grande imbróglio decorre dos custos que tais empresas passarão a ter de incorrer ao veicular qualquer conteúdo protegido, além dos aspectos operacionais relacionados a relatórios e pagamentos. Segundo Goyanes, os provedores terão de remunerar esses titulares de direitos para cada vez que a obra for consumida nas suas plataformas. “Naturalmente, haverá uma negociação dos valores, mas que não isentará as empresas do pagamento”, explica.
Goyanes conta ainda que o PL se assemelha ao que já existe no setor musical. Segundo o advogado do escritório Murta Goyanes, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) cobra uma média de 2,5% a 7,5% de cada exibidor a título de remuneração de execução pública musical.
“Cada vez que uma música é executada em uma novela, filme, show (em um canal de televisão, plataforma de streaming, cinema ou show, por exemplo) gera-se uma remuneração chamada de execução pública. Isso só serve para obra musical até hoje. Com o PL que está sendo discutido, cria-se também uma remuneração que beneficia os titulares de direitos sobre obras audiovisuais.”
Empresas de jornalismo podem ser beneficiadas com nova lei
De acordo com o advogado Marcelo Goyanes, o atual PL é um desmembramento do que foi discutido no início do ano e denominado de “PL das Fake News”. Além de reafirmar formas de remuneração de obras que circulam na internet, o novo PL visa a modificar também o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) para trazer previsão de remuneração pela utilização de conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais de conteúdos de terceiros que tenham mais de 2 milhões de usuários no Brasil.
Desta forma, quem também pode ganhar com a nova redação são as empresas de jornalismo, por conta de obras que circulam, basicamente, em redes sociais. “Isso faz sentido porque essas empresas, definidas pelo PL como pessoas jurídicas constituídas há pelo menos doze meses que produzam conteúdo jornalístico, de maneira original, regular, organizada e profissional, e que mantenham registro empresarial de pessoa jurídica, endereço físico e editor responsável no país, são prejudicadas em razão da digitalização e da multiplicação da distribuição em provedores diversos sem autorização prévia. Então, hoje, uma matéria circula por mensageria, rede social e sites de busca sem nenhum tipo de remuneração para quem gerou aquela matéria”, explica Goyanes.
Para sanar essa questão e também outras relacionadas à proposta legislativa, Marcelo Goyanes alerta para a necessidade de se propor uma nova redação mais compreensível. “A redação que está sendo discutida é muito truncada, remendada e quase ininteligível. Muitas definições e dispositivos são de difícil entendimento e isso pode gerar uma série de ações judiciais porque não se sabe o alcance que alguns dispositivos vão ter. São questionáveis também algumas disposições que tratam, por exemplo, de tornar alguns direitos patrimoniais do autor indisponíveis, como se o titular de direitos autorais e o autor não pudessem negociar seus direitos patrimoniais diretamente com os usuários, quando, na verdade, a lei sempre determinou que eles pudessem negociar livremente.”
Sobre Marcelo Goyanes
Sócio-fundador do escritório Murta Goyanes Advogados, Marcelo Goyanes é especialista em Propriedade Intelectual há mais de 20 anos. Consultor jurídico internacional, professor e procurador geral da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI) é também autor de livros como “Tópicos em Propriedade Intelectual: marcas, direitos autorais, designs e pirataria”. Goyanes teve seu trabalho reconhecido em diversos guias internacionais como Chambers Global, WTR 1000 e Who´s Who Legal.
Mestre em Direito da Propriedade Intelectual pela George Washington University (Washington, EUA), ele também é co-autor dos livros: Processo Civil na Propriedade Intelectual – Editora Lumen Iuris, 2009; O Direito e a Internet – Editora Forense Universitária, 2002; The Monetization of the Global Music Business – from Creators to Major Industry. Frukt Source, 2016 (IAEL 2016); The Streaming Revolution in the Entertainment Industry. Frukt Source, 2015 (AEL 2015)
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