O Uso de Drone para Cancelamento do Seguro
Ricardo de Oliveira[1] relata que um segurado com endereço na Califórnia, em um lugar tranquilo, decidiu fazer algo nobre, ou seja, restaurar o bólido do motor traseiro da GM, um Chevrolet Convair 1966.
Esse veículo, segundo a reportagem, seria seu primeiro automóvel e desde então não o abandonava por nada, até mesmo pela segurança de sua casa.
A situação fática tomou força quando naquele Estado, a Automobile Associaton (CSAA) Insurance Group, tomou ciência de que o automóvel acima descrito estava no quintal da casa do segurado, situação em que cancelou sua apólice de seguro residencial.
No entender da seguradora o segurado teria um quintal irregular com vários pneus e um “carro em ruínas”, levando, destarte, a perda do seguro residencial. A par desse fato o cancelamento do contrato de seguro residencial teria ocorrido também em razão de que haveria muito entulho, papelão e um caminhão com inúmeros detritos dentro de sua caçamba.
Na notificação do cancelamento o segurado teria constatado que a seguradora apontou detalhes de seu quintal, sem que nenhum preposto, ou gestor da seguradora tivesse se deslocado até o local para verificar às condições ambientais.
Ficou comprovado, de sua vez, que a seguradora californiana não enviou ninguém ao local.
Porém, o motivo foi devidamente esclarecido.
A seguradora teria enviado um drone que teria feito uma “varredura” no endereço do segurado.
De outro giro, o segurado solicitou as imagens, mas a seguradora teria negado revelando que se tratavam de “imagens aéreas”, que poderiam bem ser colhidas através de satélites do Google.
De acordo com essa reportagem muitos seguros estão sendo negados aos residentes da Califórnia e o motivo determinante para tais fatos, segundo outro viés, em épocas quentes, aquela região conta com altos índices de incêndios.
Trazendo esse fato à luz de nosso direito caberia a seguinte pergunta que me parece ser importante: com a utilização de um drone poderia uma seguradora cancelar o contrato de seguro residencial, ou haveria uma ingerência à privacidade?
A questão a meu juízo não parece, a priori, tão fácil de ser deslindada.
Se por um lado hoje temos uma legislação de proteção de dados, também, em uma outra visão, a legislação dá amparo ao direito à privacidade que não parece vingar diante de outros inúmeros cenários.
Até que limite minha privacidade pode ser atingida?
Se se consultar o que está dito no inciso X, do artigo 5º da nossa Constituição, se colhe:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A questão realmente toma corpo quando em nossa literatura jurídica constitucionalistas afirmam que nos “Estados Unidos a expressão privacy, (privacidade) é incluída na vedação ao uso comercial não autorizado de aspectos da personalidade, como a imagem a impedir decisões de natureza reservada ou personalíssima, que estejam explícitas ou implicitamente reservadas aos indivíduos”.[2]
No Brasil não se passa de modo diverso quando se colhe na própria lei ordinária, o seguinte texto:
“Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito de personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.[3]
Ademais, o conceito de privacidade está imbricado à intimidade na tipificação dos chamados “direitos da personalidade” que são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.[4]
De outra banda, em estudo focado direto ao tema proposto existe um estudo sobre a lacuna na legislação ao uso de drones que invadem privacidade das pessoas nas quais as pesquisadoras Ana Paula Rodrigues e Barbara Mourão “lamentam que qualquer brasileiro atualmente pode ir a uma loja, adquirir um drone e utilizar da forma que lhe convier.[5] O mais grave para elas seria a invasão de intimidade e identificação dos sobreditos aparelhos.
Neste diapasão é imprescindível que essa tecnologia que ajuda muitos casos em prol da segurança do indivíduo sofra, de fato, a falta de uma regulamentação legal que não destoe do verdadeiro sentido da lei, vale dizer, a proteção ao homem sem ferir sua privacidade.
É o que penso.
Porto Alegre, 06/08/2023.
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Jornalista de noticiasautomotivas.com.br
[2] José Adércio Leite Sampaio. Comentários à Constituição do Brasil. J.J. Gomes Canotilho e outros Coordenadores. Editora Saraiva e outras, 2013, página 276/277.
[3] Artigo 12 do nosso Código Civil
[4] Ibidem, artigo 11.
[5] Universidade metodista de São Paulo, em 30/01/2023.
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