A Perfectibilidade da Notificação por Métodos Convencionais
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
À guisa de reforço de entendimento construído pretorianamente no sentido de determinar que o cancelamento de contrato de seguro, objeto de manifestação de meu último ensaio neste site, trago à colação outra recente decisão do Superior Tribunal de Justiça exarada no julgamento do recurso especial sob número 2056285, proferido pela Terceira Turma, tendo como relatora a ministra Fátima Nancy Andrighi, publicado no DJe 27/04/23.
Neste julgamento acima referenciado, a relatora se defrontou em saber se a notificação prévia à inscrição do consumidor em cadastro de inadimplentes poderia ser realizada, exclusivamente, por e-mail ou por mensagem de texto de celular (SMS).
Segundo o voto da ministra Nancy, “o Direito do Consumidor, como ramo especial do Direito, possui autonomia e lógica de funcionamento próprias, notadamente por regular relações jurídicas especiais compostas por um sujeito em situação de vulnerabilidade. Toda legislação dedicada à tutela do consumidor tem a mesma finalidade: reequilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, reforçando a posição da parte vulnerável e, quando necessário, impondo restrições a certas práticas comerciais”.[1]
Seria imprescindível, segunda ela, que previamente à inscrição – e não apenas de que a inscrição foi realizada –, conferindo prazo para que este tenha a chance (I) de pagar a dívida, impedindo a negativação ou (II) de adotar medidas extrajudiciais ou judiciais para se opor à negativação quando ilegal”.[2]
E, arremata: “Na sociedade brasileira contemporânea, fruto de um desenvolvimento permeado, historicamente, por profundas desigualdades econômicas e sociais, não se pode ignorar que o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica.
Destarte, a partir de uma interpretação teleológica do §2º, do art. 43, do CDC, e tendo em vista o imperativo de proteção do consumidor como parte vulnerável, conclui-se que a notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva através de e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS)”.[3]
Esta decisão, penso eu, está em perfeita sintonia também com uma das súmulas do STJ, que, literalmente, impede ao intermediador do seguro, vale dizer, o corretor da apólice – quando deveria ser o próprio segurado – informado pela Seguradora de sua inadimplência enquanto permanecer impago o prêmio de seguro que acoberta a indenização securitária.
Relembrando aos nossos leitores e leitoras a matéria tratava de decisão de tribunais estaduais que entendiam ser suficiente a notificação do corretor de seguros para cancelar o contrato de seguro, malgrado a mora do segurado configurar a mora do devedor, muito embora sem a devida comunicação a ser efetivada diretamente na pessoa dele.
Invoquei, ao azo, o que contém na súmula 616 do Superior Tribunal de Justiça, que através de sua Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 28/05/2018, determinou:
“A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”. Grifo meu.
Tratou-se lá como cá de um ato personalíssimo em que se exige que o próprio segurado seja comunicado do atraso do pagamento do prêmio para que ele possa adimplir sua mora.
Em outras palavras. É uma obrigação típica de fazer em que as partes que pretendam constituir seus devedores em mora o façam através de uma notificação ao próprio devedor, sob pena de se desnaturar os contratos elaborados entre partes contratuais mais fortes na relação econômica com seus respectivos consumidores finais.
E isto seria suficiente para invalidar contratos com características e com efeitos personalíssimos na qual o consumidor final é atingido por esses atos discricionários pela parte mais forte na relação contratual, a exemplo do próprio contrato de seguro.
Deveras. Tanto nas obrigações de trato sucessivo como nos respectivos deveres os segurados como consumidores finais, assim como as partes mais vulneráveis nos contratos devem ser pessoalmente notificadas por meios convencionais de que existe um atraso na contraprestação de sua respectiva obrigação.
É a decisão que está sendo adotada pelo STJ, última palavra em sede infraconstitucional, que favorece o consumidor dando-lhe uma garantia efetiva de que o cancelamento de seu contrato só poderá ser efetivado se a parte mais forte da obrigação fizer essa comunicação/notificação, de um modo que a parte menos favorecida na relação tome ciência inequívoca de seu descaso em poder purgar a mora, uma vez que aquela tenha adotado providências de inteiro conteúdo formal para o desate daquilo que foi contratado entre os participantes.
Porto Alegre, 10/06/2023
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Excerto do voto na ementa do acórdão.
[2] Idem.
[3] Ibidem.
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