A Medida Provisória nº 1.153/22 publicada em 29 de dezembro de 2022, dispõe sobre a prorrogação da exigência do exame toxicológico periódico, altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, altera a Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, quanto ao seguro de cargas, e altera a Lei nº 11.539, de 8 de novembro de 2007, quanto às cessões de Analistas de Infraestrutura de Especialistas em Infraestrutura Sênior.
Reflexos da Medida Provisória nº 1.153/22 nos seguros de transportes
Aparecido Rocha – insurance reviewer
Antes de tecer comentários acerca da MP nº 1.153/22, é importante esclarecer o significado de uma Medida Provisória. No âmbito do direito constitucional brasileiro, a Medida Provisória (MP) é um ato unipessoal do presidente da República, com força de lei, editada sem, a princípio, a participação do Poder Legislativo. Apesar da MP produzir efeitos jurídicos imediatos, ela precisa da posterior apreciação do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária.
O prazo inicial de vigência de uma MP é de 60 dias e prorrogado automaticamente por igual período caso não tenha sua votação concluída nas duas Casas do Congresso Nacional. Se não for apreciada em até 45 dias, contados da sua publicação, entra em regime de urgência, sobrestando todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
No que diz respeito ao seguro de cargas, objeto do Art. 3º da MP que revoga o Art. 13 da Lei nº 11.442, consta que os seguros (I – seguro obrigatório de responsabilidade civil do transportador rodoviário de cargas, para cobertura de perdas ou danos causados à carga transportada em decorrência de acidentes rodoviários; II – seguro facultativo de responsabilidade civil do transportador rodoviário de cargas, para cobertura de roubo da carga, quando estabelecido no contrato ou conhecimento de transporte) são de contratação exclusiva dos transportadores, pessoas físicas ou jurídicas, prestadores do serviço de transporte rodoviário de cargas, e com seguradoras de suas escolhas, e vedada a estipulação das condições e características da apólice por parte do contratante do serviço de transporte (§ 1º).
A MP, indica no § 3º que o contratante do serviço de transporte (embarcador) ao adquirir coberturas de seguro adicionais contra riscos já cobertos pelas apólices do transportador, não poderá vincular o transportador ao cumprimento de obrigações operacionais associadas à prestação de serviços de transporte, inclusive as previstas nos Planos de Gerenciamento de Riscos – PGR.
Para melhor entendimento, é importante separar o que é seguro de responsabilidade civil e seguro de transporte. São dois seguros diferentes, um destinado ao transportador e o outro ao embarcador. O seguro do transportador não substitui o seguro do embarcador, são dois seguros com cobertura para atos danosos distintos. Outro aspecto importante a ser notado, é que a MP nº 1.153/22 trata e tão somente sobre a atividade de transporte e não se sobrepõe ao Decreto lei nº 73 de 1966, que regulamenta o Sistema de Seguros Privados no Brasil.
O seguro de transporte nacional e o seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário, ambos obrigatórios, estão elencados no artigo 20 do Decreto lei 73/1966. Portanto, cada qual deve ter seu seguro próprio.
O seguro de transporte nacional deve ser contratado pelo vendedor ou pelo comprador da mercadoria, dependendo da definição no contrato de venda e compra. É um seguro de danos que cobre a mercadoria durante o transporte por vias terrestres, aéreas e sobre água, ou em percursos que utilizam mais de um meio de transporte, denominado como multimodal. Abrange as garantias de naufrágio, encalhe, colisão, capotamento, tombamento, incêndio, explosão, queda ou aterrissagem forçada de aeronave, extravio de volumes inteiros, desaparecimento total do carregamento por assalto a mão armada, furto parcial qualificado e avarias decorrentes de amassamento, amolgamento, arranhadura, água de chuva, água doce, quebra e contato com outras mercadorias.
O seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário garante o reembolso de indenizações que o transportador seja obrigado, por força de lei a pagar, por perdas ou danos causados a bens e mercadorias de terceiros que lhe tenham sido entregues para transporte, em consequência de acidentes envolvendo o veículo transportador. A cobertura do seguro começa no momento do embarque da mercadoria no veículo transportador e termina com o desembarque no local de destino.
Quanto ao seguro facultativo de responsabilidade civil do transportador rodoviário de cargas, mencionado no Inciso II, nada se altera, é uma faculdade do transportador contratar ou não, até porque a finalidade deste seguro é cobrir o roubo de carga. O STF já firmou entendimento no sentido de que o roubo de carga exercido com arma de fogo, é fato desconexo ao contrato de transporte e, sendo inevitável, diante do emprego de todas as precauções e cautelas possíveis por parte do transportador, está equiparado ao fortuito externo, e em regra, elimina a responsabilidade do transportador, pois exclui o nexo de causalidade, excedendo os limites de suas obrigações, uma vez que a segurança é dever do Estado.
No tocante ao seguro de cargas, a MP nº 1.153/22 não traz alteração, apenas mantém que o seguro de RCTR-C é compulsório e o RCF-DC é facultativo, como também não faz nenhuma menção sobre a Cláusula de Dispensa do Direito de Regresso (DDR) em favor dos transportadores, prevista no Art. 10 do Plano Padronizado para Seguro de Transportes pela Circular Susep nº 354/2007.
A única alteração visível na MP nº 1153 é a proibição da estipulação do seguro de RCTR-C por parte dos embarcadores, o que não tem nenhum reflexo da Cláusula de DDR inserida na apólice de transporte nacional ou internacional do embarcador. O embarcador não estipula apólice de RCF-DC. Dessa maneira, a Carta DDR deve ser fornecida normalmente pela seguradora do embarcador e com suas regras de Gerenciamento de Riscos.
Quanto a menção no § 3º do Art. 13 indicando que o contratante do serviço de transporte (embarcador) ao adquirir coberturas de seguro adicionais contra riscos já cobertos pelas apólices do transportador não poderá vincular o transportador ao cumprimento de obrigações previstas nos Planos de Gerenciamento de Riscos (PGR), se torna uma exigência inócua, uma vez que o embarcador não contrata coberturas adicionais, ele cumpri a sua obrigação em ter uma apólice própria para cobrir suas mercadorias transportadas por terceiros. O transportador está livre para contratar o seguro opcional de RCF-DC para sua própria proteção, mas isso não o permite seguir sem as regras de gerenciamento de riscos impostas pelo embarcador ou sua seguradora.
O objetivo da Carta DDR é beneficiar o transportador, uma vez que as seguradoras têm a prerrogativa de abdicar da sub-rogação de direito que lhes conferem e abrir mão de buscar o ressarcimento dos sinistros indenizados, porém é preciso cumprir as regras de gerenciamento de riscos.
A apólice de transporte do embarcador (nacional ou internacional para o percurso complementar) está em perfeita consonância com o mercado e atende às necessidades dos transportadores, por esta razão, espera-se que a MP nº 1153 não seja aprovada pelo Câmara dos Deputados e Senado.
Aparecido Rocha – insurance reviewer
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