Exigência Securitária Descabida no DPVAT
Tenho a meu sentir, que diante de uma decisão prolatada pelo Juizado Especial Federal da 3ª Região, a qual tomei conhecimento através do informativo jurídico Migalhas,[1] de voltar à balha e, assim, discorrer no decurso destes comentários sobre tema novamente pertinente e bastante abrangente quando se cuida de abordar o seguro DPVAT.
Destarte, essa modalidade de seguro obrigatório objeto de recentes acontecimentos, aliás pautado por mim alhures, quando se tratou da possibilidade de sua cobrança, ou não, no ano vindouro, volta à berlinda desta feita com outra conotação de ordem jurídica.
Desta vez em razão de envolver diretamente uma instituição de crédito, que segundo o juiz sentenciante o postulante à indenização securitária só poderia receber seu crédito decorrente desse seguro se “concordasse em abrir uma conta digital”.[2]
Para o julgador, Juiz Federal Titular, doutor Fabiano Carraro, com sua jurisdição sediada na cidade de São Paulo, Capital, foi decidido que “na medida em que a ré - CEF sustenta a legalidade da exigência de abertura de conta, está configurada a resistência à pretensão e o interesse para a demanda”[3].
A exigência da abertura de conta digital determinada ao autor para receber seu seguro de cunho social, configuraria no entender do sentenciante uma típica “operação casada”, já que a instituição financeira seria um simples agente operacionalizador da política pública DPVAT. Como tal, cabe a ela aferir a existência de um pretenso direito à indenização securitária e, do mesmo modo, estabelecer o "quantum" devido por conta do seguro obrigatório. Afirmado o direito à indenização e sendo apurado o seu valor, configuraria uma "venda casada" forçando o titular do crédito a recebê-lo mediante compulsória abertura de conta na casa bancária rotulada como ré na demanda em foco.
Ademais, no entender do juiz sentenciante a Lei nº 14.075, de 22 de outubro de 2020[4] não albergaria a conduta da ré. Tal diploma, em verdade, não cuida, em momento algum, de liberação de recursos atrelados ao DPVAT, que não é "benefício social", mas simples indenização securitária, finaliza a sentença de que se cuida nestes comentários.[5]
A meu sentir, agiu o magistrado supra identificado com extremo acerto.
O seguro DPVAT não tem cunho de benefício social. É um seguro eminentemente social, cuja natureza jurídica gravita em sede de pagamento de uma indenização securitária projetada na lei dos grandes números.
É um seguro de responsabilidade civil obrigatório, mas que de longe objetiva cumprir qualquer benefício social concedido pelo governo.
Contrato de seguro é um negócio jurídico, malgrado se trate de um contrato-tipo, de adesão, imposto ao proprietário ou condutor de veículo automotor para minimizar danos causados a pessoas transportadas, ou não. Seu objetivo social não o reveste das características atreladas a qualquer modalidade de benefício social.
Todas as modalidades destacadas pelo Sistema Nacional de Seguros como seguros obrigatórios têm esse viés de cunho social. Basta ler o vetusto diploma legal pertinente à espécie.[6]
Também é verdade que o seguro DPVAT é disciplinado por uma outra lei, vale dizer, a Lei 6.194, de 19 de dezembro de 1974, com suas inúmeras alterações.
Porém, o ponto nodal da questão distingue o que é seguro e o que é benefício social como sublinhei acima neste e em outros comentários concernentes ao tema sub judice tratado, agora, sob uma outra ótica, neste breve ensaio.
Pensar de outro modo seria atentatório também ao Código de Defesa do Consumidor que assegura direitos básicos do consumidor, tais como métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.[7]
É imperiosa a necessidade de reformas em nossa legislação securitária, bem como, se for o caso, de um detalhamento mais acurado em nosso Código Civil que trata do seguro obrigatório, seja ele da modalidade que for, em um único e isolado dispositivo.[8]
Reformas estruturais no seguro são altamente importantes e relevantes, desde que seja feita uma força tarefa que viabilize o crescimento do seguro em suas múltiplas modalidades contratuais, mas que estejam em perfeita sintonia com uma correta Teoria do Ordenamento Jurídico, tema de livro do jurisperito italiano Norberto Bobbio que também cuidou dos elementos ontológicos do direito.
Esse é o escorreito e lapidar princípio que deve reger e disciplinar toda e qualquer legislação codificada.
É o que penso.
Porto Alegre, 29/11/2022
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Informativo Migalhas, 28/11/2022, sob número 5.486. Migas 4.
[2] Procedimento do Juizado Especial Cível (436) Nº 0068012-24.2021.4.03.6301 / 7ª Vara Gabinete JEF de São Paulo. Sentença lançada no Informativo acima referenciado.
[3] Decisão Monocrática lançada nos autos identificado no item 2.
[4] Lei que dispõe sobre a conta do tipo poupança digital.
[5] In fine, da decisão em comento.
[6] Decreto-Lei nº 73/66.
[7] Art. 6º, inciso IV, da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 com suas alterações.
[8] Artigo 788 do atual Código Civil.
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