O Tormentoso Aspecto do Seguro de Responsabilidade Civil
Não é de hoje que escrevo sobre esse tema que continua sombrio e bastante polêmico, quer em nossa doutrina, quer no que diz respeito às decisões proferidas por nossos Tribunais.
Acredito que não é sem razão o que afirmo, ou seja, o seguro de responsabilidade civil em nossa legislação, é bastante minguado e parco na sua casuística quando tratado em sede de resoluções e circulares exaradas pelo órgão fiscalizador do mercado securitário, assim como insertos em lei ordinária que versa em relação ao conteúdo propriamente referenciado da matéria em foco.
Pois bem. Em decisão estampada ontem, 25/10/2020, o Superior Tribunal de Justiça, julgando um processo através de sua Terceira Turma, cujo número do feito não pode ser divulgado em razão de segredo judicial, entendeu que “Concessionária de rodovia não tem responsabilidade civil por assalto cometido em fila de pedágio”.[1]
Segundo se depreende das razões exaradas por aquela Turma, uma das que compõem a de Direito Privado – são duas -,“o crime deve ser tratado como fortuito externo (fato de terceiro), o qual rompe o nexo de causalidade e, por consequência, afasta a responsabilidade civil objetiva da concessionária que administra a rodovia, nos termos do artigo 14, parágrafo 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Sic.[2]
Até, aqui, sem maiores considerações sobre a acertada decisão.
A questão se torna tormentosa, a meu sentir, como se exporá um pouco mais adiante, o que foi decidido pelo Ministro Relator:
“A causa do evento danoso – roubo com emprego de arma de fogo contra os autores – não apresenta qualquer conexão com a atividade desempenhada pela recorrente, estando fora dos riscos assumidos na concessão da rodovia, que diz respeito apenas à manutenção e à administração da estrada, sobretudo porque a segurança pública é dever do Estado”[3], afastando a condenação da concessionária e da Fazenda Pública.
Também, no ponto, sem reparos no que tange a decisão em si, aliás, bem lançada do eminente Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze.
Todavia, de pronto, uma questão que ressai deste julgamento penso ser a seguinte:
Se as vítimas não tinham seguro de responsabilidade civil que albergasse tal risco, elas, fatalmente terão que acionar o Estado, certo?
Outra: Se as vítimas têm esse seguro como fica o direito de regresso das seguradoras?
Minhas distintas leitoras e dignos leitores, responderão, incontinenti: o direito de regresso, vale dizer, a ação de sub-rogação da seguradora, deverá ser dirigido contra o Estado como muito bem anotou o mencionado ministro relator.
Será que o Estado, detentor de inúmeras responsabilidades, vai acudir, imediatamente, a postulação das vítimas por mais boa vontade que tenha o ente público? Não creio.
Neste pensar, o seguro de responsabilidade civil tão pobremente erigido em nossa lei ordinária – artigo 787 do nosso Código Civil – único dispositivo, lato senso, previsto no seguro de dano – não poderia contemplar maiores casuísmos quando se trata de um seguro de responsabilidade objetiva?
Só para dar um exemplo, entre outros.
No seguro DPVAT, (Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1.974) foram implementadas várias situações fáticas a teor do previsto no artigo 7º com a redação dada pela Lei nº 8.441, de 1.992.
Vejam que estou a cuidar de Lei, cujo princípio hierárquico tem o mesmíssimo nível do que se encontra, parcimoniosamente, previsto no atual artigo 787 do nosso Código Civil.
Mais. Nossa legislação estrutural data de 1966, e é estratificada no Decreto-Lei, número 73, que prevê o Sistema Nacional de Seguros.
O nosso Código Civil de 2002, embora relativamente recente carece de modernas normas para se adaptar à nova realidade mercadológica.
Frente a determinadas situações que envolvem fatos socias que precisam ser coloridos pelo nosso ordenamento jurídico, já ressaltei em outra crônica essa passagem:
‘Não adianta termos implementado em nosso Civil leis que gravitam em sede da liberdade econômica, assim como de leis confeccionadas pelo nosso Congresso Nacional no tempo da pandemia, sem que se veja o todo em um vasto campo que deixou de ser disciplinado por simples desleixo e falta de maiores critérios casuísticos por parte de nossos legisladores”[4].
O que pretendo alertar a todos os que militam na área securitária é que precisamos promover medidas que não só implementem e venham a colmatar lacunas deixadas pelo legislador ordinário, mas que os nossos parlamentares aprovem com maior celeridade dispositivos legais que busquem aperfeiçoar cada dia mais o Direito dos Seguros.
É uma reflexão que deixo a todos os interessados na área.
Porto Alegre, 26/10/2022
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Portal de Notícias do STJ, 26/10/2022.
[2] Fonte referida. Notícias.
[3] In fine da reportagem.
[4] Excerto de uma das crônicas publicadas no sítio Segs..
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