Revogação de Tutela Provisória não Impede Indenização Securitária
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
O tema acima pautado sob o qual concedi entrevista à Rádio Justiça, em 14/10/22, envolve matéria de direito processual civil imbricada a um dos princípios básicos do contrato de seguro que é a continuidade no pagamento do prêmio.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.799.169/SP, recentemente publicado, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento ao pedido de uma beneficiária de apólice de seguro de vida em grupo determinando o pagamento da indenização, malgrado houvesse uma decisão judicial provisória oriunda de ação coletiva, posteriormente revogada.
Explicito melhor. Rescindida, unilateralmente, uma apólice de seguro de vida em grupo sua vigência foi prorrogada através de decisão judicial provisória proferida em ação coletiva proposta por uma associação de classe, pois haviam sido recolhidos todos os prêmios dos segurados durante o período em que teria ocorrido o decesso de uma segurada.
O juiz de primeira instância, entendeu que o sinistro (óbito da segurada) se deu na vigência do contrato de seguro de vida, embora prorrogado por força de concessão de tutela provisória –, posteriormente revogada no julgamento da apelação – ainda latente e em plena vigência devido à concessão de efeito suspensivo ao recurso especial manejado pela entidade postulante em prol da beneficiária daquela apólice mestre.
No voto condutor que concedeu a indenização securitária, o ministro Relator ressaltou que, em princípio, não haveria de se falar em definitividade das obrigações mantidas por meio de antecipação de tutela, sendo descabido ao titular do direito precário pressupor a incorporação de benefícios em seu patrimônio. (Excerto do voto. Sic).
O acórdão exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, hostilizado pelo recurso especial aviado pela parte recorrente, teria revogado a tutela antecipada, produzindo, destarte, efeito ex tunc, ou seja, reestabelecendo a situação anterior de resilição unilateral do contrato de seguro de vida em grupo, impondo às partes o retorno à situação anterior ao deferimento da medida, entendimento daquele Colegiado em sintonia com os preceitos contidos na Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal.[1]
Vale ressaltar, ao azo, prezadas leitoras e dignos leitores, que a tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.[2]
Em síntese apertada. Ela é provisória e diria eu, até superficial, porque pode ser revista a qualquer tempo, pois se sustenta na plausabilidade e na verossimilhança com o direito posto.
Ademais, como foi consignado na sobredita ementa, como os valores dos prêmios permaneceram com o ente segurador e o fundo mutual foi constituído, as obrigações decorrentes da apólice coletiva devem ser cumpridas, sob pena de enriquecimento sem causa da empresa seguradora.[3]
Impende ressaltar que a decisão prolatada pelo Tribunal da Cidadania se baseou em dois princípios alhures ressaltados, a saber: I) medida de ordem processual – tutela provisória, artigo 294 do CPC e II) princípio (um deles) básico no contrato de seguro, ou seja, o pagamento do prêmio.
Neste sentido se dessume que se existe uma medida provisória gerando efeitos retroativos por força de sua revogação posterior, e as partes não retornaram ao status quo ante, diante do aperfeiçoamento do fundo mutual, deve a seguradora cumprir com sua contraprestação (indenizar sinistros), já que não restituiu aos segurados as quantias recolhidas a título de prêmio durante o período em que a apólice foi prorrogada.[4]
Já discorria tal entendimento – princípio do prêmio pago ao segurador -, por ocasião da primeira edição de meu primeiro livro sobre seguro, quando em relação ao pagamento do prêmio, entre outros, destaquei:
A cláusula de garantia do segurador enquanto não for pago o prêmio é também prevista no direito suíço sob a designação de clause de régularisation – EinlosungsKlausel - (Koening. Droit des Assurances, página 38).[5]
Pois bem. Para que se reverta, a qualquer título, e se dê a alforria do segurador é preciso que exista de sua parte uma efetiva contraprestação. Em outras palavras: se o segurador recebeu o prêmio e não o devolveu, aceitou o risco assumido no contrato de seguro.
Em recentíssima obra que tive a honra de prefaciar, ficou, deveras, enfatizado em lições de Garrigues:
É por meio do prêmio e sua essencialidade que a empresa seguradora forma o fundo necessário à solvência de suas obrigações, para fazer frente aos riscos e possíveis sinistros.[6]
Diante de mais uma crônica que escrevo aos nosso diletos leitores e leitoras, ressalto que todos os princípios (Teoria dos Princípios)[7] devem nortear qualquer atividade na área do direito, mormente no direito dos seguros aonde o interesse legítimo do segurado deve estar atrelado, entre outros, com o fato de que uma vez pago o prêmio e não havendo sua devolução mediante um procedimento judicial ou extrajudicial, o segurador estará obrigado a adimplir um outro princípio básico, vale dizer, o pagamento da indenização prevista no contrato de seguro.
É o que penso, s.m.j.
Porto Alegre, 14 de outubro de 2022
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Síntese dos itens 4/5 da Ementa do Recurso Especial nº 1.799.169/SP.
[2] Artigo 296 do Código de Processo Civil.
[3] Ibidem, item 6 do Resp.
[4] Parte final do voto do Ministro Relator.
[5] Voltaire Marensi. O Seguro no Direito Brasileiro – Temas Atuais – Editora Síntese Ltda, 1ª Edição. Novembro/1992, página 77.
[6] Direito dos Seguros. Maurício Salomoni Gravina. Editora Almedina, 2ª edição, 2022, página 335.
[7] Humberto Ávila. Malheiro Editores, 16ª Edição, 2015.
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