Furacão e o Mercado de Seguros
O furacão Ian pode ser mais um problema ao mercado de seguradoras da Flórida.
Seguradoras nacionais podem estar relutantes em competir por negócios em face de causas e, mormente dos riscos de furacões e tempestades tropicais, disseram especialistas em mudanças climáticas, assim como o aumento da vulnerabilidade às tempestades sendo apenas parte da questão.[1]
Segundo notícias colhidas pela mídia, proprietários de imóveis na Flórida já enfrentavam um mercado aquecido e de alto custo no que concerne ao seguro residencial, aliás, já antes da passagem desse furacão.
A tempestade devastadora está piorando a situação para o mercado securitário, segundo relato da mídia, até mesmo para segurados mais aquinhoados e que pretendem renovar suas apólices.
O registro ainda dá conta de que há quase duas décadas, as principais seguradoras do país não têm interesse na renovação deste tipo securitário.
Esses fatos fizeram com que o mercado permanecesse com pequenas seguradoras estatais com recursos limitados. Seis dessas empresas foram declaradas inadimplentes este ano, antes que ocorresse esse fato catastrófico, tudo como se dessume do teor das reportagens divulgadas por toda a imprensa.
Pois bem. Os proprietários de imóveis no sobredito Estado daquela país, já pagavam quase o triplo da média nacional por seguro – US$ 4.231 ao ano por apólice, em comparação com uma média americana de US$ 1.544.[2].
As seguradoras nacionais podem estar relutantes em competir por negócios na Flórida por causa dos riscos de furacões e tempestades tropicais.
“Quando foi a última vez que você teve uma perda de US$ 30 bilhões a US$ 40 bilhões em Illinois?” disse o repórter: “Nunca.”[3]
Tal fato gera uma enxurrada de processos judicias movidos contra seguradoras, que para muitos advogados da Flórida o problema não residiria na quantidade de demandas que atravanca o Judiciário local, mas, sim, devido a uma falta de regulamentação mais adequado a esse ramo do seguro.
No Brasil não é de todo diferente.
Já advertia este cronista, em 12 de abril de 2020:
As chuvas e as enchentes vão ter repercussão em apólice de seguros vida e acidentes pessoais, notadamente nos seguros residenciais frente a “deslizamentos de terras oriundos das encostas dos morros próximos às residências”.
Ainda mais: “Se o segurado é surpreendido por um fato da natureza que foge ao seu controle, não podem as Companhias seguradoras alegarem agravamento de risco, uma vez que o segurado não pode ser penalizado por caso fortuito ou força maior a teor da legislação substantiva”.[4]
Não posso, a meu sentir, deixar de reiterar no ponto o que já escrevi sobre o aspecto do agravamento de risco, mormente levando-se em consideração que fatos imprevisíveis como a força da natureza fogem visceralmente daquela situação.
Jamais se poderá falar em agravamento de risco quando se trata de fatos da natureza, a não ser quando o segurado tenha contribuído de maneira efetiva para que pudesse ocorrer o dano.
Todavia, como já registrei em diversos comentários um dos princípios básicos do contrato de seguro que é a indenização oriunda do risco segurado, baseado em recente obra Bruno Miragem e Luiza Petersen, que advertem:
“No tocante ao comportamento exigido dos contratantes em caso de alteração do risco, sobretudo à exigência de comunicação da circunstância agravante, percebe-se amplo debate no direito comparado -e, de forma mais tímida, no direito brasileiro – a respeito da sua natureza jurídica”.[5]
Saber, portanto, se é uma imposição legal ou um ônus que recaí sobre o segurado, durante a vigência do contrato ou por ocasião da renovação da apólice de seguro, um dos corifeus do direito italiano, Antigono Donati, nos ensina que sempre estará presente essa questão objetivando o pagamento, ou não, da indenização securitária.[6]
Ao comentar o novo regime legal do contrato de seguro, introduzido pelo DL nº 72/2008, de 16 de abril, criado pela lei portuguesa que vai para além das circunstâncias mencionadas no questionário pelo tomador do seguro, J.C. Moitinho de Almeida, ensina:
“Trata-se de solução que as mais recentes leis europeias repudiaram (§19(1º) da VVG alemã, artigos 11º da lei luxemburguesa, 5º da lei belga, 4º, da lei suíça e 10º., da lei espanhola. Neste sentido, também, o artigo 47 do Projecto da Lei brasileira, nº3.555, de 2004”.[7] (Sic).
Todavia, o experiente jurista português ressalta que o segurado pensa que é o segurador quem formula as questões úteis para a apreciação do risco, e não imagina, pois, que lhe incumbe antecipar-se e procurar ele próprio os fatos que possam ter incidência no custo da garantia, convidando, portanto, atenção ao que está dito no artigo L. 112-3.[8]
Em comentários ao artigo acima citado no Code des Assurances, é feita uma arguta observação por uma conhecida autora francesa, Yvonne Lambert-Faivre, que assinala que “esse questionário é limitativo, e se o segurador omitir uma questão sobre aspecto mesmo importante, o segurado não tem culpa. Os seguradores devem, pois, cuidar para que os questionários sejam tão completos e exaustivos quanto possível”.[9]
A lei, - referindo-se aqui a portuguesa -, assevera António Menezes Cordeiro, reportar-se como um dever do segurado. Diz mesmo, de modo quiçá demasiado enfático que, com referência à declaração inicial do risco, que o tomador do seguro ou o segurado está obrigado. Tal semântica terá derivado da inspiração no § 1º do VVG alemão, epigrafado dever de informação (Anzeigepflicht), justamente a propósito da declaração pré-contratual de risco. A doutrina corrige: ao contrário do que resulta do título, trata-se de um encargo legal, ou gesetzliche Obliengenheit”.[10]
No Brasil, ainda tramitando no Senado da República, o Projeto de Lei do IBDS na parte que trata da Formação e Duração do Contrato, se encontra previsto textualmente no artigo 52, a seguinte dicção:
“A seguradora deverá alertar o proponente sobre quais são as informações relevantes a serem prestadas para a aceitação e formação do contrato, esclarecendo nos seus impressos e questionários as consequências do descumprimento deste dever.
Parágrafo único. A seguradora que dispensar as informações relevantes, não as exigir de forma clara, completa e inequívoca, ou não alertar sobre as consequências do descumprimento do dever de informar, não poderá aplicar sanções com base em infração contratual, salvo conduta dolosa do proponente ou de seu representante”.[11]
Já no anterior Código Civil de 1.916/17, o artigo 1.444, conhecido como Código Belivaqua, dizia: “só se estabelece pena para o segurado que pecar contra esse preceito – não fizer declarações verdadeiras e completas, omitindo circunstâncias -, porque ele é que tem maiores possibilidades de fazê-lo”.[12]
É o que já está dito, atualmente, no artigo 766 do Código Reale através de uma redação mais técnica e mais esclarecedora do que a de outrora.
Diz o dispositivo:
“Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.”[13]
Carvalho Santos, ao dissertar sobre o artigo 1.444 do Código Bevilaqua no sentido de que “a jurisprudência de nossos tribunais, como não podia deixar de ser, tem considerado nulo o contrato de seguro sempre que se provar fraude ou falsidade por alguma das partes”.[14]
De fato. Esse entendimento continua atual.
Tanto que em julgamento no Superior Tribunal de Justiça, o ministro Humberto Martins, destacou que “mais do que obrigação decorrente de lei, o dever de informar é uma forma de cooperação, uma necessidade social. Na atividade de fomento ao consumo e na cadeia fornecedora, o dever de informar tornou-se autentico ônus proativo incumbindo aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor)”.[15]
Todavia, não posso silenciar quando se trata de dado relevante no contrato de seguro o devido processo de cooperação – uma construção inserta no problema social da obrigação, segundo Betti,[16] que deve reinar entre as partes contratantes, vale dizer, o segurado e o segurador.
Precisamos de uma legislação mais modernas, sem emendas e retálios que atendam fatos decorrentes das forças impostas pela natureza que não desvincule o vínculo com seguradoras que aceitem riscos mais perigosos.
Carecemos de leis que satisfaçam tanto os interesses dos segurados como das seguradoras. Para isso, precisamos mobilizar esforços no sentido de uma construção legal que atendam essas demandas provenientes de fatos que são previsíveis, mas que escapam da previsão de quando eles vão acontecer.
É mister a conscientização de nossos Parlamentares para que elaborem leis que atendam fatos que não encontram atual previsão legal. Emendar leis que não se adequam aos acontecimentos ocasionados pela natureza é não querer enxergar a realidade de um mundo em constante mudança.
O que se colhe do que enfatizei alhures e dos fatos da natureza que estão acontecendo no extremo Sudeste dos Estados Unidos, bem como com chuvas, vendavais, ciclones e tornados que ocorrem com menor intensidade em diversos locais do nosso Brasil é imprescindível, a fim de que riscos desse porte estejam cobertos por uma nova modalidade securitária, evidentemente, desde que haja uma adequada e correta previsão atuarial totalmente plasmada em uma regulamentação que discipline a matéria de um modo coerente, orgânico e sistemático.
É verdade que o prêmio segurado deve ser bem mais relevante e bem maior para essa casuística, mas, por outro lado, nossa sociedade não pode ficar marginalizada em razão de fatos oriundos da natureza que assolam à população notadamente as mais carentes.
Embora o valor do prêmio possa ser incompatível com os menos aquinhoados deve haver, matematicamente e, de outro lado, por parte de empresários, do poder público, da sociedade, uma equação que atenda esses riscos provenientes de fatos aleatórios à previsão humana. É para isso que foi criado o seguro!
Se houver leis voltadas para tal mister teremos todos mais transparência e maior tranquilidade na proteção de nossos bens.
É o que penso, s.m.j.
Porto Alegre, 06/10/2022
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Fonte: Chris Isidore, do CNN Business. Nova York.
[2] Dados colhidos na Insurance Information Institute.
3.Reportagem em relação ao evento.
[4] Voltaire Giavarina Marensi. O seguro, a Vida e sua Modernidade, 2ª edição LumenJuris/ Editora 2011, páginas 255 e 257.
[5] Direito dos Seguros. Forense, 2022, página 227.
[6] Antigono Donati. Trattato Del Diritto Delle Assicurazioni Private. Volume Secondo. Giuffrè Editore. 1954, pág. 394.
[7] Autor citado. Contrato de Seguros. Estudos. Coimbra Editora. 2009, página 13
[8] Bis in Idem.
[9] Droit des Assurances, Paris 2011, página 244.
[10] António Menezes Cordeiro. Direito dos Seguros, 2ª edição. 2016. Almedina, página 634/635. Passim Manfred Wandt, Versicherungsrecht, cit., 5ª ed., Nr 7872 (276).
[11] Projeto de Lei do Senado nº 477, de 2013.
[12] Codigo Civil dos Estados Unidos do Brasil, volume V, 1934, página 205.
[13] Caput do artigo 766 do Código Civil de 2002.
[14] Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XIX. 8ª edição. Livraria Freitas Bastos 1964, página 297.
[15] Resp. 1.364.915/MG.
[16] Emilio Betti. Teoria General de Las Obligaciones. Prof. Catedrático de la Universidad de Roma. Madrid, 1969, páginas 1/22.
Compartilhe:: Participe do GRUPO SEGS - PORTAL NACIONAL no FACEBOOK...:
<::::::::::::::::::::>