Seguro DPVAT Decorrente de Acidente do Trabalho
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, que reúne a 3ª e a 4ª Turma, decidiu, por unanimidade, em 28 de setembro de 2022, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que trabalhadores acidentados em veículos agrícolas, durante atividade laboral, têm direito à indenização do seguro obrigatório DPVAT.
Em um dos casos objeto de julgamento, tratou-se de um trator acoplado por implemento agrícola determinante para a origem da invalidez permanente do trabalhador.
Ainda nesse julgamento, em sede de recurso repetitivo, foi aprovado o Tema 1.111, subsumidos nos Recursos Especiais números, 1.936.665 e 1.937.399, respectivamente, ambos da relatoria do ministro acima nominado.
Em resumida síntese, assim decidiu o Colegiado:
"O infortúnio causado por veículo automotor e caracterizado como acidente de trabalho é capaz de impedir a configuração dos mesmos fatos como sinistro coberto pelo seguro obrigatório (DPVAT), e que os sinistros que envolvem veículos agrícolas passíveis de transitar pelas vias terrestres estão cobertos pelo seguro obrigatório (DPVAT)."[1] (Sic).
Na análise do julgamento dos dois processos supra identificados, vale dizer, de ambos os recursos especiais, o relator destacou que, embora a regra do DPVAT seja o sinistro ocorrer em via pública com veículo em circulação, - grifo meu -, existem situações em que o desastre possa se dar quando o bem estiver parado ou estacionado. O importante, segundo o Relator, é que o automotor tenha contribuído substancialmente para a geração do dano mesmo que não esteja em trânsito e que não seja mera concausa passiva do acidente.
De outro giro, ressaltou o eminente Ministro Relator, que se o veículo de via terrestre, em funcionamento, teve participação ativa no acidente a provocar danos pessoais graves em usuário, não consistindo em mera concausa passiva, há hipótese de cobertura do seguro DPVAT.
Dessa forma, como se enfatizou acima, os sobreditos recursos especiais foram providos e o Tema 1.111 foi aprovado.[2]
Enfim, como destacado também em parte da ementa objeto daquele julgamento, sob itens 4 e 5, “a configuração de um fato como acidente de trabalho, a possibilitar eventual indenização previdenciária, não impede a sua caracterização como sinistro coberto pelo seguro obrigatório DPVAT, desde que também estejam presentes seus elementos constituintes: acidente causado por veículo automotor terrestre, dano pessoal e relação de causalidade”.
Ademais, à guisa de registro do que consta na parte da ementa nos itens de números acima descritos, os veículos agrícolas capazes de transitar em vias públicas (asfaltadas ou de terra), seja em zona urbana ou rural, e aptos à utilização para a locomoção humana e o transporte de carga - como tratores e pequenas colheitadeiras - não podem ser excluídos, em tese, da cobertura do seguro obrigatório.
Consta, por fim, segundo o eminente ministro Relator, que incide o afastamento das colheitadeiras de grande porte e de veículos sobre trilhos (trem, VLT e assemelhados).
Fugindo, portanto, e com outro viés do que prevê a regra geral do seguro DPVAT, se o sinistro ocorrer em via pública, com o veículo em circulação, há hipóteses na qual o desastre possa ocorrer, como aconteceu outrora em caso semelhante ao julgamento trazido à lume, relatado por ocasião do julgamento do Recurso Especial sob número 665.282/SP, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, em decisão datada de 20/11/2008, que já entendia, em tese, não haver o descabimento da indenização posto não prosperar o inconformismo à época de uma seguradora, visto que no caso do julgamento daquele recurso seria desimportante se cuidar de trator de utilização em fazenda bem como não ter havido o pagamento do prêmio do seguro, ensejando plena cobertura securitária.[3]
Finalmente, a título de mero registro, pois não pretendo entrar no mérito já pacificado, de que o DPVAT é um seguro de caráter eminentemente social em que a responsabilidade objetiva, ou seja, aquela em que não se perquire a culpa do condutor bastando, apenas, a relação do nexo causal com o evento.
No entanto, não posso deixar passar in albis o que disse quando, em uma de minhas obras sobre seguro, assinalei:
“Duas rápidas considerações se fazem presente no seguro DPVAT. Uma diz respeito à falta de conhecimento da população na liquidação deste sinistro aliado ao fato de parte significativa da frota de veículos nacionais que não faz este tipo de seguro. Esses fatores dificultam o pagamento da indenização a milhares de vítimas mutiladas em acidentes de trânsito. A outra mais gritante, mas, certamente, não a última, é a causa de perplexidade na sistemática deste seguro, no que se refere ao pequeno montante da indenização coberta por este tipo securitário. As indenizações, quer em caso de morte ou de atendimento médico-hospitalar, ficam bastante aquém dos sofrimentos das vítimas. Certamente tudo isto é uma questão que envolve um aspecto político-cultural que deve ser mais conscientemente considerado pela autoridade pública afeta à área de atuação destas atividades no mercado securitário.”[4]
Pois, hoje, sabemos todos nós que aproximadamente há dois anos não se cobra mais o seguro obrigatório do proprietário do veículo automotor, quando da renovação anual do licenciamento do veículo em razão da enorme “sobra de caixa” que se constituiu nesse tipo securitário, inclusive à época pela má gestão das administrações anteriores efetivadas por um consórcio destinado para tal mister, tudo como registrou alhures nossa mídia. Esses fatos foram levados à público não carecendo de caráter probatório.[5]
Vejam, portanto, caros leitores e dignas leitoras, que a matéria objeto desse julgamento não é nova. Porém, em matéria de veículos fora de estrada, propriamente dito, agora, se consolida em Tema ou Recurso Repetitivo (RR).[6]
Ao menos, aqui, se cumpre a verdadeira função social na finalidade da criação desse tipo de responsabilidade civil obrigatória, ou de responsabilidade objetiva, que é o Seguro DPVAT!
Porto Alegre, 01/10/22
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Seguro Obrigatório. Informativo Migalhas, 29 de setembro de 2022.
[2] Informativo acima citado.
[3] Voltaire Marensi. O Seguro no Direito Brasileiro, 9ª edição. Lumen Juris/ Editora, 2009, página 159.
[4] Voltaire Giavarina Marensi. O seguro, a Vida e sua Modernidade .LumenJuris//Editora, 2ª edição. Rio de Janeiro, página 246.
[5] Artigo 374, inciso I, do CPC.
[6] Artigo 1.036, também do Código de Processo Civil.
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