O Corporativismo Nefasto
O corporativismo nefasto, título desta crônica, se prende não a uma ideologia política que organiza a sociedade através de grupos corporativos, sob o molde, por exemplo, de associações de guildas da antiguidade que objetivavam o bem e o interesse comum.
Dentro desse jaez a ideia de que todos os membros desse corpo funcionariam em conjunto, de uma maneira harmônica e solidária com aquilo que é bom e justo, seria a personificação de um perfeito idealismo subsumido em sua criação.
A etimologia já adviria do termo latino corpus, vale dizer, corpo humano que teria sido criado à imagem e semelhança do Criador.
Longe desse utopismo, o corporativismo nefasto degrada e corrompe os costumes e a própria lei.
Pois bem. A própria organização de um mutualismo sadio, eficiente, dentro de um espírito de coletividade foi insuflado pelo mutualismo que “remonta à Idade Média e, porventura, mais longe, às Guildas nórdicas e às sociedades mediterrânicas da Antiguidade”.[1]
Infelizmente, não acontece com o que quero retratar aqui.
O corporativismo degradante e espúrio acontece quando recentemente se depara na mídia com o caso de um juiz do trabalho do Estado de São Paulo, que desabonou sua classe e para estupefação dos relés mortais se adotou um verdadeiro corporativismo, de modo cruel, mórbido e sórdido que denigre o modelo de uma instituição que deveria primar pelo exemplo de uma conduta lisa e escorreita.
“Entre as corporações de ordem pública anotamos os tribunais, câmaras municipais, juntas comerciais, e todas as repartições ou departamentos administrativos, que se dizem corporações administrativas”.[2]
O viés de uma forte condenação real, pronta e eficaz que a sociedade esperava como também recentemente retratei em uma outra crônica, não aconteceu.
Prevaleceu o espírito nefasto e debochado do corporativismo insano.
Neste sentido traço até um paralelo com as eleições que se aproximam.
Enquanto a sociedade não der um recado de que necessitamos de pessoas de bem para gerir o sistema público não sairemos do marasmo de um país que há tempo deveria ter conquistado seu império entre as nações mais prósperas e desenvolvidas.
Acredito que seja esse o verdadeiro Estado Democrático de Direito, aonde “as texturas da vida – política, econômica, social e cultural – terão de se articular com o texto e o contexto das normas da constituição sob pena de a força normativa desta se dissolver na força normativa dos fatos”.[3]
Não adianta se fazer apologia retórica e sem efeitos pragmáticos diante de fatos solares que evidenciam o descaso do Estado no tratamento do bem comum.
É imperiosa essa constatação a fim de que se fortaleçam nossas Instituições.
Não se quer o retorno da lei do talião, mas, tampouco, a frouxidão de corporações que devem zelar e primar pelo bom exemplo.
Nesta tônica vigilante e contínua é que se pode cobrar que nossas corporações sejam resguardadas por uma mudança comportamental.
Hoje, mais do que nunca, dizia Bobbio, “é necessário enfrentar uma pesquisa analítica de todas as técnicas de encorajamento que constituem uma das características do estado contemporâneo. Donde a sutil diferença entre prêmio (do que fala Kelsen, para descartar sua importância no estudo da sanção) e incentivo”.[4]
É destas lições hauridas no decurso da evolução do bom Direito que precisamos para evoluirmos e construirmos, de uma vez, um lídimo Estado Democrático de Direito a par de um positivismo moderno, atual e autenticamente real e rente com os nossos dias.
Porto Alegre, 22 de agosto de 2022
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] António Menezes Cordeiro. Direito dos Seguros. 2ª Edição. Almedina, 2016, página 257. Passim. J.C. Moitinho de Almeida. O Contrato de seguro. Livraria Sá da Costa Editora, 1971, página 6.
[2] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Forense, 1975. Volume I, página 444.
[3] José Joaquim Gomes Canotilho. Os Métodos do Achamento Político. Comentários à Constituição do Brasil. Editora Saraiva e Outras. 2013, página 45.
[4] Tercio Sampaio Ferraz Junior. Apresentação do livro Teoria do Ordenamento Jurídico. Norberto Bobbio, Edipro, 2020, páginas 31/32.
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