Gestão descentralizada é alternativa para as empresas reterem os talentos
*Matheus Bombig, cofundador da Invenis
A pandemia fez muitos trabalhadores repensarem o conceito do ambiente de trabalho ideal, não apenas pela questão do crescimento do home office, mas também por pontos como a pressão e a insegurança no dia a dia profissional. Fatores que podem contribuir para o desgaste profissional e o alto índice de pedidos de demissão no período são o modelo de gestão engessado, com pirâmide hierárquica, e a cultura de decisão top-down, ainda muito utilizada por grande parte das empresas.
Não é à toa que um estudo encomendado pela Você S/A ao estúdio de inteligência de dados Lagom Data aponta que, mensalmente, meio milhão de brasileiros pediram demissão de forma voluntária entre o início de 2020 e o final do ano passado. Este índice é o dobro do registrado nos anos anteriores à pandemia. Para chegar a essa conclusão, a Lagom analisou quase 188 milhões de registros de movimentações trabalhistas do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), de 2016 até novembro de 2021.
Muito por conta desse cenário, algumas companhias brasileiras começam a observar atentamente modelos capazes de desconstruir a estrutura hierárquica para conseguirem reter seus talentos. Atualmente, um dos métodos que se destacam é o modelo Teal, que tem a gestão descentralizada como um de seus pilares e é conhecido por estimular uma atuação mais inovadora nas companhias, justamente por cortar problemas estruturais. O sistema é caracterizado pela plenitude e por perseguir um propósito, pois opera, em grande parte, sem organogramas, hierarquias, microgerenciamento ou incentivos individuais. Além disso, é gerido por pessoas e times autônomos, que são livres para tomar decisões após colherem aconselhamentos. Portanto, toda decisão tomada é sempre influenciada por uma inteligência coletiva.
Infelizmente, essa é uma visão que se distancia de quase todas as empresas, que possuem como único objetivo o lucro, independente do propósito, ambiente e liberdade. Podemos comparar essas corporações com uma máquina que precisa ser a mais eficiente, rápida e barata possível, enquanto os seus colaboradores se parecem com engrenagens.
Peguemos como exemplos os CEOs e outros C-levels. É natural que os profissionais nesses cargos tenham que tomar decisões complexas e dentro de uma agenda lotada, onde são acionados o tempo inteiro por diversos setores. O tempo deles é tão precioso que a camada gerencial abaixo passa dias ou semanas preparando materiais para serem levados em reuniões que, geralmente, duram poucos minutos.
Ou seja, claramente estamos diante de uma estrutura repleta de burocracia, mas que tem a possibilidade de ser evitada. Com o modelo Teal, os times conseguem ser muito mais práticos em processos do dia a dia: contratações de pessoas e de ferramentas, por exemplo, não precisam passar por todo um ciclo de aprovação. De modo geral, as pessoas são retiradas de suas pequenas bolhas para que cada uma assuma o papel que julgue competente, com uma voz ativa dentro do grupo.
Outro fato benéfico da adoção do método é que, após tomadas, todas as decisões são divulgadas para o time. Essa transparência cria um senso de comunidade entre os colaboradores e ajuda a atuar em prol da empresa, evitando que as decisões sejam voltadas apenas para impressionar a chefia.
Desafios de uma gestão descentralizada
Nota-se que, em um ambiente complexo, a pirâmide hierárquica se torna um gargalo. No entanto, onde há baixa complexidade, estruturas piramidais podem até funcionar bem, o que ilude muitos empreendedores acerca de sua eficácia. Afinal, para muitos é tentador estar em uma posição de poder, com várias regalias e uma falsa visão de que os profissionais dispostos hierarquicamente abaixo trabalham para ajudar o negócio a bel-prazer.
Portanto, abrir mão disso e conceder esse poder para o time é um dos principais desafios na implementação de uma organização Teal, especialmente no Brasil, que herdou um corporativismo forte. Por isso, ainda há a necessidade de difusão desse modelo no território brasileiro, uma vez que poucos empreendedores o conhecem. Felizmente, percebe-se que cada vez mais um seleto grupo tem curiosidade de entender melhor o seu funcionamento.
Contudo, esse sistema também exige paciência em um primeiro momento. Existem muitas etapas de descentralização e uma migração só será feita se as empresas, aos poucos, alterarem pequenas estruturas e processos. Se esses passos forem dados, é possível que o país se torne um pouco menos corporativista e possua mais liberdade em seus ambientes profissionais. Isso certamente ajudará as companhias a reterem seus talentos com mais facilidade.
*Matheus é cofundador da Invenis, legaltech cujas ferramentas ajudam escritórios de advocacia e departamentos jurídicos a tomarem decisões estratégicas com mais agilidade e precisão. Também é um dos fundadores da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) e foi por três anos curador da vertical de legaltechs da São Paulo Tech Week (SPTW).
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