Companheira ou Mulher no Seguro de Vida
Assistindo sessão virtual da Colenda 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que terminou no início da noite de hoje, 22/03/2022, em que foi julgado o Recurso Especial sob número 1.391.954/RJ, relatado pela ministra Maria Izabel Gallotti, se tratou de decidir se no caso de um seguro de vida em que ocorreu o falecimento do segurado, a companheira ou sua mulher deveriam receber o seguro, embora 25 por cento do valor da apólice já teria sido reservado ao filho da companheira com o falecido. Impende sublinhar que o falecido indicou, na própria apólice, a companheira como sua beneficiária dos outros 75% do valor total segurado, embora ainda em plena constância de seu casamento.
A seguradora para se alforriar da obrigação promoveu uma ação de consignação em pagamento destes 75% do valor segurado, que, segundo a empresa deveria ser destinado, a uma ou outra, dependendo da última palavra em sede infraconstitucional no recurso especial aviado pela mulher do segurado. (Vide inciso IV, do artigo 335 do Código Civil).
A maioria dos ministros, vencido no mérito propriamente dito, o ministro Marco Buzzi, que entendeu no sentido de destinar a verba securitária sobejante à companheira do segurado, que, além de nomeada pelo segurado, ostentava tal vínculo perante à sociedade.
Todavia para a relatora há, deveras, entendimento do tema em sede de repercussão geral já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o casamento é, ainda, uma união monogâmica.
Discorrendo entre família fundada no casamento e a família proveniente da união estável, constata Maria Celina Bodin de Moraes e Ana Carolina Brochado Teixeira, a seguinte reflexão:
“ A diferença fundamental está na segurança jurídica do casamento, advinda da formalidade do ato, pois este é ato jurídico stricto sensu, cujo núcleo existencial contém normas preestabelecidas, podendo ainda os cônjuges contratar aspectos não afetos a tal núcleo, tais como o estatuto patrimonial do casal e o planejamento familiar”. (Comentários à Constituição do Brasil, artigo 226. Saraiva. Obra Coletiva com Diversos Autores, página 2.118).
Embora já haja precedentes no sentido do avanço dessa interpretação, não ignorado pela relatora, a ministra entendeu que os ideais do casamento devem ser sempre observados de acordo com os padrões cristãos insculpidos no princípio da lei e da moralidade dos costumes.
Neste sentido, embora se dirija o contrato de seguro à vontade do instituidor do seguro, inserto em um outro princípio vinculado à autonomia da vontade, a dicção do artigo 793, segundo a relatora, deve ser respeitada uma vez que esse texto legal, diz:
“É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato”.
A verdade registrada nos autos é de que o segurado falecido vivia, enquanto vivo, com ambas, vale dizer, com sua mulher e com sua companheira.
Em face desse fato é que sublinhei parte do que se encontra grafado na menção acima registrada na redação do dispositivo supratranscrito.
Na literalidade da lei a norma insculpida no Código Civil – artigo 793 do Código Civil - foi acatada pela maioria dos ministros componentes da Turma.
Houve, portanto, uma interpretação em perfeita consonância com a norma infraconstitucional, ou seja, é válida a instituição da companheira como beneficiária, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava de fato. Não vou, aqui, entrar no mérito se hoje ainda persiste a separação judicial, pois todos sabemos que, atualmente, se cuida de letra morta em nosso ordenamento jurídico.
Valendo-me dos ensinamentos de Maria Berenice Dias, uma das juristas que ostenta maior liberalidade, quer no ato nupcial, quer no direito de família, transcrevo o que ela diz no seu Manual de Direito Das Famílias:
“ Assim, quase se poderia dizer que o casamento é um contrato de adesão, pois efeitos e formas estão previamente estabelecidos na lei, não havendo espaço para a vontade dos noivos, que se limitam a dizer “sim” diante da autoridade civil, o que tem o alcance de concordância com os deveres do casamento, secundando preleções tópicas de Paulo Lins e Silva. (Autora e obra citada. Revista dos Tribunais, 11ª edição, página 154).
O direito de família deve ser, certamente, revisto. Porém, enquanto não houver mudança no ordenamento jurídico não se pode alterar o que se encontra plasmado na Lei. É tema de questão federal, que, inclusive no entendimento dos ministros componentes da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça dever-se-ia também, ao azo, ter a parte prejudicada se utilizado do manejo do Recurso Extraordinário para essa matéria ter sido também apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.
É o que cabia, a meu sentir, tecer comentários sob um caso de relativo ineditismo em sede de matéria infraconstitucional.
Porto Alegre, 22/03/2022
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
Compartilhe:: Participe do GRUPO SEGS - PORTAL NACIONAL no FACEBOOK...:
<::::::::::::::::::::>