Consumidor na Era Tecnológica
Na semana em que se comemora o dia do consumidor, especificamente, no dia 15 de março próximo passado, tenho me deparado com muitas reclamações de corretores de seguros em relação aos novos procedimentos, adotados e exigidos pelas Companhias Seguradoras.
Para focalizar situações concretas vividas no dia a dia, atualmente, sempre que há avarias em automóveis, as seguradoras estão exigindo que o segurado através de um aplicativo faça suas próprias fotos e envie, através de meio digital, o relato do sinistro ocorrido com seu veículo.
Tais fatos, segundo depoimentos colhidos de vários corretores dessa área securitária, estão conjugados a solicitações de segurados junto aos seus respectivos corretores para que os ajudem e prestem auxílio àquele veículo sinistrado, objetivando cobrir danos acobertados em seus contratos.
Até casos de vistorias de automóveis para transferência de veículos automotores devem ser, digitalmente, apresentadas e elaboradas pelo próprio segurado.
Uma pergunta óbvia, logo brota: e quanto se trata de um segurado com idade avançada, tipo oitenta anos?
É de curial sabença que as pessoas da terceira idade, sem falar nos idosos, propriamente dito, não possuem, via de regra, aptidão tecnológica para tal façanha. É realmente um ato surreal exigir de um ancião atitudes de tal destreza em sede digital.
É verdade que a tecnologia veio, por outro lado, facilitar uma dinâmica mais “recheada de informações”, além de um maior incremento na produtividade e desenvolvimento do contrato de seguro.
Todavia, são imprescindíveis o resguardo e a proteção do consumidor, sobretudo quando se cuida de situações desse jaez.
Não é crível que se possa exigir do ser humano algo além de sua capacidade normal para poder exercitar seu direito justo e legítimo que se concretiza no contrato de seguro.
Os direitos elencados em inúmeros diplomas jurídicos são feitos e elaborados para servir o homem. Todavia, a imposição de um instrumental de conduta, hodiernamente adotado pelas seguradoras, jamais poderão inviabilizar o conforto e bem-estar do segurado. É para isto, que existe o seguro!
O direito deve ter força ancilar à proteção dos direitos individuais e coletivos, plasmados em nossa Carta Política.
As exigências de determinados comportamentos violam à lei e, de consequência, o contrato de seguro em um todo uma vez que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, inciso II, do artigo 5º da Constituição Federal, no Capítulo que disciplina Os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.
Diante da assertiva acima declinada, ao azo, cabe registrar o que ensinam Gilmar Ferreira Mendes e André Rufino do Vale, verbis:
“ A ideia expressa no dispositivo é a de que somente a lei pode criar regras jurídicas (Rechtsgesetze), no sentido de interferir na esfera jurídica dos indivíduos de forma inovadora. Toda novidade modificativa do ordenamento jurídico está reservada à lei”. (Comentários à Constituição do Brasil, página 244. Editora Saraiva e outras, 2013).
Pois bem. A Lei nº 10.741/2003, instituiu o Estatuto do Idoso com a finalidade de regular todos os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.
Que facilidade e dignidade prevista na citada Lei ocorre quando há exigências desmesuradas, que extrapolam o senso comum de atendimento nas situações acima aduzidas?
O que dizer como no caso acima retratado em se cuidando de um segurado com 80 anos de idade? Quid juris?
Aproveitando o tema consumo – o contrato de seguro – está previsto e decidido há anos pelo Supremo Tribunal Federal que se trata de uma relação consumerista.
Recentemente, também ao ensejo dessa crônica, acaba-se de divulgar, também com total desconhecimento de sua operacionalidade por parte dos corretores de seguros, um novo produto que vai reunir duas apólices – automóvel e residencial – em um seguro único denominado de proteção combinada.
Aqui, em tese, nada em princípio, relacionado a era digital.
Todavia, é preciso em pleno advento tecnológico capacitar pessoas, nomeadamente os corretores de seguro para que conheçam melhor os produtos ofertados pelo mercado segurador, sempre com o desiderato de melhor desempenho de sua atividade profissional.
Enfim, estimadas leitoras e caros leitores. Nada contra os novos tempos inclusive, a meu sentir, objeto de maior recrudescimento com a vinda da pandemia em todos os recantos do mundo.
O que se clama é de que tanto a tecnologia como o advento de novos produtos comerciais devem ser efetivados com parcimônia e segurança jurídica para que o mundo securitário não padeça do mal da boa informação.
Embora se cuide de uma das mais célebres frases pronunciadas na República Velha (1889-1930) por José Gomes Pinheiro Machado, já longe do tempo, mas de absoluta pertinência nesses novos tempos, não se deve jamais ignorá-la:
“Nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo”.
Acredito que essa sentença lapidar deve capitanear todo e qualquer assunto que trate de dar proteção e segurança ao nosso bom consumidor.
É o que penso!
Porto Alegre, 17/03/2022
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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