Qual o Entendimento Jurídico da Associação Veicular e o Seguro?
Com o advento da Circular SUSEP nº 639, de 9 de agosto de 2021, publicada no Diário Oficial da União em 13/08/2021, foram criadas novas regras e critérios para operação de seguros do grupo automóvel.
No artigo 13º caput foi admitida a utilização de peças usadas, especificamente na dicção de seu § 4º.
Faço esse introito diante do que se discorreu no 4º Seminário Jurídico sobre Seguros, realizado no dia 09 de novembro amplamente divulgado nesse prestigiado site do Segs.
Segundo a anterior Superintendente da SUSEP, ela, a nova Circular, atrairia como resultado uma maior flexibilidade ao mercado segurador, notadamente no que diz respeito ao seguro automóvel, já que a rigidez das regras vigentes à época, dificultava uma maior agilidade, surgindo, destarte, um mercado marginal.
Em verdade, como regra geral, salvante algumas exceções, as empresas associativas que existem no mercado, data vênia, não são marginais, como veremos no decorrer destes comentários, embora pratiquem custos operacionais que giram em torno de 30% menor do que o seguro automóvel, malgrado essa Circular da Susep permita o uso de peças velhas e usadas na reposição dos veículos segurados junto às Companhias de Seguros como acima já se registrou.
Um outro enfoque que impende gizar, como já salientei algures, diz respeito ao fato de que no mercado de seguros de automóveis importados com mais de 5 anos de uso não é aceito o risco, assim como de automóveis nacionais com mais de 10 anos de uso, bem como de carros e outros provenientes de leilões e de chassis remarcados.
Sem dúvida alguma, isso ajudou a propiciar que essas empresas de proteção veicular constituídas, via de regra, como cooperativas, ou associações abarcassem este nicho de mercado.
No Seminário Jurídico a que me referi no início destes comentários foi trazido à balha, a exemplo ilustrativo, um processo oriundo de uma Ação Civil Pública impetrada pela SUSEP, que envolvia uma associação considerada ilícita em razão do não recolhimento de tributos e da falta de formação de reservas técnicas, que teria sido julgada procedente no juízo singular.
Houve a reforma do decisum pelo TRF da 2ª Região, sob o argumento de que não teria se verificado negociação ilegal de seguros por associação sem fins lucrativos, de vez que constituída com a finalidade de proteção automotiva de seus associados, sem qualquer ilegalidade na simples associação para rateio dos prejuízos.
O STJ teria reformado o acórdão para reestabelecer a sentença, segundo esclarece a síntese do que se passou no evento em tela.
Para os Ministros Julgadores do caso em pauta, a associação de proteção veicular não poderia ser considerada como uma empresa de seguros de ajuda mútua, se constituindo em um serviço de proteção automotiva aberto a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados.
Todavia, o Procurador-Geral da Susep, no Seminário em questão, teria ressaltado de que as entidades que funcionam no modelo de autogestão, com um grupo restrito de associados, poderiam continuar operando sem autorização do órgão, embora tal entendimento continuasse sendo um ponto de preocupação para o setor de seguros.
Estimados leitores e caras leitoras!
Da narrativa acima que se relata em mais uma crônica, se denota o desconforto da entidade fiscalizadora do mercado de seguros em relação a esse tipo associativo.
Pois bem. A verdade é que alternativas na união de forças na busca de objetivos em comum é efetivada pelo associativismo. Os ganhos oriundos desta comunhão de interesses tendem a beneficiar todos os que participam, e, que, para obter sua maior efetividade é primordial que exista sempre uma ingente interação entre os componentes na gestão do negócio jurídico.
Registrei em um dos meus livros, quando se tratou de analisar a natureza jurídica das entidades mútuas e as empresas cooperativas o que disse o saudoso jurisconsulto Professor Ovídio A. Baptista da Silva:
“Tanto a cooperativa quanto as mútuas são mais do que simples empresas; são uma comunidade social. Nelas, ao contrário do que acontece nas sociedades comerciais, não há uma completa separação entre os patrimônios de cada sócio e o patrimônio da sociedade cooperativa. A doutrina, e a própria legislação brasileira, ao conceituar a sociedade cooperativa, declara que ela não passa de prolongamento do estabelecimento cooperado”. (O Seguro e as Sociedades Cooperativas – Relações Jurídicas Comunitárias – Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2008, páginas 52/53. Apud, Voltaire Marensi. O Seguro, a Vida e sua Modernidade, 2ª Edição, Lumen/Juris, 2011, página 251).
De outro giro, há, de fato, uma certa desconfiança do consumidor nas empresas constituídas sob o rótulo de Associações de Proteção Veicular, formatadas no rigor dos expressos termos de nosso Código Civil, sem o manto e o timbre de uma empresa seguradora.
É o que diz o artigo 53 deste diploma legal: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. Grifei.
Neste diapasão a Constituição Federal de 1988, enuncia em uma esfera mais abrangente e em um grau de hierarquia superior do que a norma ordinária, vários incisos legais que tratam da liberdade de associação, da sua criação, da sua dissolução, do direito de permanecer associado e da legitimidade para representar seus associados. Artigo 5º, incisos XVII a XXI. CF/88.
Ademais, no seguro privado, o princípio do mutualismo e o princípio da repartição dos riscos são estruturados em cálculos atuariais fundados na lei dos grandes números, vale dizer, na ciência atuarial que calcula os riscos e projeta o prêmio atentando para empresas constituídas sob a forma de Companhia de Seguros.
Há também no cerne da empresa seguradora, a exigência de uma autorização governamental para operação de suas atividades, o que não acontece nas associações lícitas, que, geralmente, são oficializadas através de um CNPJ.
Diz o parágrafo único do artigo 757 do nosso Código Civil:
“ Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada”. Isso também, a exemplo do que se disse das associações, está previsto na Lei Complementar. Decreto-Lei nº73/66, artigos 74 (Autorização para Funcionamento) e artigo 78 (Das Operações Das Sociedades Seguradoras), com suas respectivas alterações.
De outro giro, a associação, independentemente de sua finalidade lucrativa como é da essência da natureza jurídica das sociedades seguradoras, é uma entidade de direito privado, dotada de personalidade jurídica e caracterizada pelo agrupamento de pessoas com o fito da realização e objetivos de ideais comuns.
Neste pensar, existem duas situações jurídicas completamente diferentes, com matizes distintos para sua formação.
No seguro, embora haja um princípio mutualista por essência como na própria associação, a atividade lucrativa está sempre presente. A expressão Companhia de Seguros já ativa e sobressai a ideia de lucro.
Na associação pode até haver uma distribuição de lucros entre seus membros, mas o sentido do auxílio mútuo é a tônica de sua formatação.
As entidades seguradoras, em um primeiro momento, tiveram como finalidade proteção de seus membros, tanto que no início há registros históricos de que havia uma solidariedade entre seus componentes para atender colegios funeraticios objetivando que os familiares a eles pertencentes, pudessem outorgar no final de vida de seus entes queridos um enterro com dignidade.
Porém, com o decurso do tempo essa situação ficou relegada ao oblívio, e, hoje, se lê e se divulga na mídia lucros astronômicos auferidos pelas Companhias de Seguros.
Também é verdadeira a assertiva de que quando os dirigentes de determinadas entidades comerciais se desviam de seus objetivos haverá sempre uma liquidação extrajudicial como sói acontecer também com as instituições de crédito.
Assim, mesmo existindo pontos convergentes entre seguro e associação é preciso muita cautela para que não se deixe ao desamparo pessoas que buscam proteção com menor dispêndio de gastos comprometendo sua renda familiar.
Natureza jurídica de institutos jurídicos diversos, merecem tratamentos jurídicos distintos.
Penso, assim, que se pratica uma verdadeira justiça quando princípios básicos de nosso Direito são cumpridos, em total sintonia como determina nosso ordenamento jurídico.
Porto Alegre, 6/12/2021
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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