Pedaço de Carne e os Planos de Saúde
De uma coisa estou certo. Não me venham dizendo os empresários que os planos de saúde obedecem, rigorosamente, normas disciplinadas por nossa legislação. Os exemplos são eloquentes e falam por si só quando se consulta quais são os maiores volumes de processos que abarrotam nosso judiciário.
Um deles, indubitavelmente, são os planos de saúde.
Começo contando minha estória que como fonte inspiradora valho-me do grande poeta, professor, jornalista e teatrólogo brasileiro, Gonçalves Dias, no mês que completa 157 anos de seu falecimento. Lembrado como um dos melhores poeta líricos da literatura brasileira no seu consagrado poema I -Juca-Pirama, arrematou:
“Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: Meninos, eu vi! ”.
Desta forma, plagiando o nosso grande poeta, começo a narrativa de acontecimentos que eu próprio vivi e vi.
Pois bem. No final do mês de outubro próximo passado fui acometido de uma grande infecção no sistema biliar. Depois de algumas horas de exacerbada dor, acabei parando no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, local próximo de minha residência.
Até aí, nada fora de acontecimentos procedimentais que todos os viventes estão sujeitos a qualquer momento de nossa existência terráquea.
A surpresa veio quando o hospital disse que o meu plano de saúde não tinha cobertura em suas dependências. O fato se agravou quando me foi exigida uma caução de trinta mil reais no momento da internação. Literalmente, uivando de dor e impotência física, prestei o cheque caução que entendo ser uma exigência indevida e que raia a ilicitude penal.
Como se não bastasse esse fato, quer a operadora Qualicorp, quer a Unimed Estilo Nacional, se negaram a responder vários e-mails e telefonemas nos quais solicitava maiores esclarecimentos, de vez que, anteriormente, fiz, inclusive no decurso deste ano, alguns exames e procedimentos naquele nosocômio sem qualquer tipo de constrangimento.
Para não me alongar na narrativa dos fatos registro que pago, regiamente, quase cinco mil reais mensalmente como associado titular e à minha mulher que figura como dependente no plano que, pretensamente, cria ser totalmente acobertado.
Os fatos e consequências serão devidamente conhecidos mais amiúde tanto por aquela operadora como pelo plano de saúde acima citado, pois desembolsei quase 84 mil reais para quitar minha dívida hospitalar.
Porém, independentemente do que vai acontecer no decurso de mais um processo deste naipe – para eles, planos de saúde, apenas, mais um processo dentro de milhares - lembrei da festejada peça do grande teatrólogo e escritor inglês William Shakespeare, na peça o Mercador de Veneza, no Ato I, Cena III, quando um dos personagens, o credor Shylock, exige do devedor Bassânio, por um empréstimo de três mil ducados, por três meses, também um fiador de nome Antônio indicado pelo próprio devedor.
Até aqui, como alhures, dentro dos princípios gerais de direito, ou seja, dentro das regras de normalidade ética e jurídica.
Logo em seguida, na peça referenciada, se desenvolve um diálogo diabólico entre o credor e o afiançado no qual o credor exige a inusitada situação:
“Shylock – Quero dar-vos prova dessa amizade. Acompanha-me ao notário assinai-me o documento da dívida, no qual, por brincadeira, declarado será que se no dia tal ou tal, em lugar também sabido, a quantia ou quantias que não pagardes, concordai em ceder, por equidade, uma libra de vossa bela carne, que do corpo vos há de ser cortada onde bem me aprouver”. Grifo meu.
Que belo gesto de equidade! Jus est aequi et boni, já diziam os romanos!
Não vou discorrer o resto do diálogo da peça para não me estender nesta crônica, mas, tão somente, registrar que Antônio, o fiador, concordou com o escandaloso trato.
É aí que registro um paralelo entre o que ocorreu com este cronista e a peça acima referenciada, vale dizer, me senti como um mero pedaço de carne no tratamento que me foi “oferecido” e o que pensava receber quando, de fato, ocorresse uma situação comigo, suscintamente, acima relatada.
Eu, este modesto cronista, um mero pedaço de carne frente a um conglomerado empresarial que, particularmente, nestes tempos de pandemia, exibe números estratosféricos com lucros auferidos junto aos seus associados e consumidores.
Vou provar e comprovar tais afirmações em juízo, muito embora o Código de Defesa do Consumidor, inverta tal ônus probatório.
Com quase 52 anos de formatura não tenho medo de Gigantes, embora me sinta, metaforicamente, o próprio Davi no enfrentamento ao gigante Golias, na casuística em questão.
E mais. Lembro, de memória, um dos Mandamentos do Advogado elaborado por um grande jurista uruguaio de nome Eduardo Couture, prematuramente falecido, emblematicamente, aos 52 anos de idade, quando no quarto, preconizou:
“Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça”.
É o direito à informação, entre inúmeros outros, que os associados merecem e devem sempre postular.
E é disto que os nossos estimados leitores e leitoras, necessitam saber e conhecer para postular e pleitear pela verdadeira justiça.
É dever de cada um de nós postularmos para que se acrisole no espírito do bom direito a autêntica justiça de uma sociedade que deveria, em tese, ser regida pelo respeito aos seus iguais.
Nada de onirismos. É hora de ação!
Porto Alegre, 7 de novembro de 2021
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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