Quod Vadis?
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
Esta indagação aposta no título desta crônica guarda sintonia e relevância com o que se passa nos dias de hoje.
A pergunta para onde vais, ou aonde vais? Se refere a um relato do evangelho apócrifo conhecido como “Atos de Pedro, no qual, São Pedro encontra Jesus ressuscitado e indaga, incontinenti: Quod Vadis? E Jesus responde: Roman vado iterum crucifigi, em vernáculo, vou a Roma ser crucificado de novo. (In, pt.m. Wikipedia.org).
Pois bem. Situações jurídicas constrangedoras e até de estarrecer são estampadas em fatos que, embora não sejam recentes como é o caso da conhecida “barriga de aluguel”, tomam uma dimensão de atos e fatos novidadeiros que repercutem, a meu sentir, em enorme preocupação no mundo jurídico.
O que realmente é prática atual em um mercado tão florescente vem ocorrendo em Bruxelas, na Bélgica, pasmem os nossos leitores e leitoras, desde 2015, através de uma feira dedicada ao chamado “útero de aluguel” em que se reúnem clientes e fornecedores para planejar a compra e venda de crianças. Sim, compra e venda de crianças!!!!
O nome da feira é men having babies......
Lá, segundo relato do blog de Amaury Jr, datado de 09/11/20, “se encontram catálogos das mães disponíveis, formas de pagamento, lugar do parto, apoio psicológico, assistência jurídica e até despesas de viagem”.
Será que haverá alguma modalidade de seguro posta à disposição dos interessados? Seguro de assistência jurídica e despesas de viagem, certamente estão previstas em nosso direito securitário. Mas, tais modalidades uma vez imbricada ao todo acima relatado tenho minhas sérias dúvidas, se alguma seguradora irá se aventurar a cobrir riscos deste jaez.
Ainda, segundo relatos da mídia a feira teria acontecido nos dias 7 e 8 deste mês através de uma plataforma virtual.
Na União Europeia esta prática é veementemente proibida!
Os ativistas em direitos humanos, como a exemplo da Itália, já conta com um projeto de lei para tornar o útero de aluguel um crime universal, segundo o relato do mencionado blog.
Ontem, dia 10/11, foi celebrado o Dia Mundial da Ciência para a paz e o desenvolvimento, aonde se destaca o papel importante desta área na sociedade com a necessidade de que os cidadãos se mantenham informados sobre os desenvolvimentos da ciência, mormente em uma época quando a pandemia demonstra ainda mais o seu papel fundamental em tratar dos desafios mundiais, de vez que o foco estaria centrado na UNESCO que se empenha em trazer a ciência para mais perto da sociedade, apoiando colaborações científicas internacionais essencialmente necessárias ao progresso e bem estar do ser humano.
Efetivamente, este, de longe, não é o caso acima retratado!
A ciência não pode permitir que a compra e venda, uma das espécies de contrato mais antigo do direito, depois do contrato de escambo - troca de mercadorias -, seja objeto de inclusão de pessoas como acontecia nos albores do direito romano, aonde determinadas classes sociais eram tratadas como res, ou seja, como coisas.
Hoje, o artigo 481 do nosso Código Civil, diz, textualmente:
“Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.
O direito jamais deve retroceder e muito menos a ciência deve acolitar certos fatos que maculam e denigrem os chamados “Direitos de Personalidade” tão veementemente assegurados pela nossa Carta Magna, nomeadamente em nosso Código Civil como direitos intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária, ex vi legis, artigo 11 deste ordenamento legal.
Também, pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a sua lesão, artigo 12 deste mesmo ordenamento jurídico, isto é, quando se cuida de Direito de Personalidade!
Caso contrário, até aonde iremos?
A evolução da ciência não pode vir em detrimento do ser humano, sob pena de haver um enorme retrocesso e até uma involução jurídica com base em experimentos científicos no qual o homem retorne a era primitiva, ao revés, de um incremento que busque cada dia mais o bem-estar do indivíduo.
Enfim, a ciência deve evoluir, recrudescer e incentivar novas conquistas que sejam postas à disposição de uma sociedade na qual a paz, a tranquilidade e a fraternidade sejam engajadas em uma seara de progresso contra males que assolam os homens em razão de novas endemias e pandemias que exsurgem com o decurso da vida.
A ciência deve ser uma verdadeira ancila do homem objetivando protegê-lo, sob pena de chegarmos a uma situação insustentável em que se há de perguntar: Quod Vadis?
É o que penso.
Porto Alegre, 11/11/2020
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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