O Prêmio no Seguro e a Covid-19
Foi apresentado no decurso deste mês de setembro um projeto de lei sob número 4.417/2020, que “estabelece a obrigação de restituição aos segurados, de parte dos prêmios de seguros pagos às Sociedades Seguradoras, em virtude da pandemia do Coronavírus – Covid-19”.
O autor do projeto deputado Glaustin da Fokus procura com arrimo no artigo 770 do nosso Código Civil, sem correspondente no anterior diploma material, à aplicabilidade da parte final deste dispositivo que contém a seguinte redação: “mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato”.
Vou procurar externar meu entendimento à guisa do que julgo correto, independentemente de qualquer motivação a não ser acadêmica em sede do tema em foco.
Dessarte, penso que este dispositivo não guarda sintonia com um fato episódico que, infelizmente, estamos vivenciando.
O comando legal inserto no artigo 770 do Código Civil guarda sintonia com o que estabelecem os artigos 478 e 479 deste mesmo diploma legal, que cuidam da resolução dos contratos em razão de um princípio jurisprudencial advindo da teoria da imprevisão, sob o nomen juris “Da resolução por onerosidade excessiva”. Neste sentido, quando houver uma prestação para uma das partes excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato (Vide, artigo 478 do CC).
Salvante melhor juízo tais fatos se deram, por exemplo, em razão de reajustes abusivos praticados por algumas operadoras e administradoras de planos de saúde, aliás, fruto de inúmeros comentários deste articulista neste prestigiado site.
Tal entendimento não se ajusta aos casos de prêmios de seguro, notadamente no que concerne a “risco de sinistro para os automóveis segurados, nos casos de furto, colisão e de responsabilidade civil facultativa”, que segundo a justificativa do projeto em comento foi reduzida com ganhos adicionais às Sociedades Seguradoras obtidas com a queda dos índices de sinistralidade.
Em um primeiro momento da pandemia tal fato levou à população a se abster de sair de suas moradias. Todavia, hoje, o automóvel serve até de anteparo e de incontáveis passeios para maior proteção e conforto da família. Esses fatos são objeto de notícias em que profissionais da saúde alertam para que nossa coletividade não esqueça de praticar, com uma certa regularidade, exercícios físicos em prol de sua saúde.
Outro dado, que me parece ser da maior relevância, diz respeito ao princípio da mutualidade imbricado em cálculos atuariais estratificados nos prêmios de seguro calculados por profissionais desta área, a fim de que o segurador possa fazer frente aos danos oriundos dos riscos por ele assumido.
O autor do projeto aduz que “ao contrário de vários países do mundo, apenas a título de exemplo Estados Unidos da América e Portugal, não houve no Brasil qualquer movimentação das sociedades seguradoras e muito menos da Susep, em claro prejuízo aos segurados.....”. (Grifo meu).
Data vênia, sem procuração de ninguém, mas pela devoção ao debate de ideais penso, diametralmente, ao contrário.
Quando o parlamento brasileiro aprovou a lei sancionada pelo Presidente da República, vale dizer, a Lei nº 14.010/20, publicada em 12.06, que dispôs sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações de Direito Privado (RJET), não está ali previsto qualquer dispositivo legal que trate do contrato de seguro. Ali seria o locus adequado à disposição do nosso legislativo se manifestar, ao menos no que se refere a temas relacionados à área securitária, mormente em se cuidando de contrato de pessoas.
Enfim, o tema em pauta é impertinente e inadequado para ser tratado nesta seara sob pena de subverter matérias distintas que merecem tratamentos díspares como leva a crer o sobredito projeto de lei sob nº 4.417/20, que, em síntese, altera substancialmente o entendimento doutrinário e jurisprudencial construído para albergar o princípio da teoria da onerosidade excessiva.
Normas jurídicas com distintos suportes fáticos (tatbestand), como dizia mestre Pontes de Miranda em seu monumental Tratado de Direito Privado, devem ser coloridos em sintonia com fatos sociais adequados à sua espécie.
É o que penso, salvo melhor juízo.
Porto Alegre, 13/09/20
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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