Onerosidade Excessiva e Perturbação da Prestação
Será que a teoria da onerosidade excessiva e a perturbação da prestação, a primeira prevista em nosso Código Civil e a segunda adotada pela reforma do Código Civil Alemão poderão estar interligadas com fatos advindos da Covid-19 e seus consectários efeitos decorrentes do contrato de seguro?
Lendo um belo e bem lançado ensaio sobre os “Efeitos da Covid-19 e seu impacto nos Contratos de Seguros” da lavra da jurista uruguaia Andrea Signorino Barbat, especialista em seguros e resseguros, assim como de alguns parágrafos insertos no BGB (Código Civil Alemão), depois da reforma levada a efeito em 2002, penso que há, sim, uma íntima imbricação entre estas duas situações jurídicas previstas pelos respectivos ordenamentos jurídicos.
O nosso Código Civil trata no artigo 317 do instituto da onerosidade excessiva também conhecida como teoria da imprevisão. Já o § 275, em seu número (1) do Código Civil Alemão diz, em tradução livre, que “ a pretensão da prestação estará excluída se é impossível para o devedor ou para qualquer pessoa”. (Código Civil Alemão, versão em espanhol, Marcial Pons, Madrid, 2008).
Neste sentido, o objetivo deste breve ensaio é gizar um rápido estudo em que aproveito para estabelecer um paralelo entre estas duas figuras jurídicas para procurar, ao azo, esquadrinhar um molde comparativo entre elas, notadamente quando vivenciamos situações em que tanto o segurado como o segurador passam por este tormentoso momento em que o mercado segurador enfrenta com o surgimento da Covid-19.
A teoria da imprevisão foi objeto de uma longa construção jurisprudencial, que acabou sendo incorporada em nosso Código Civil com o nome de cláusula da onerosidade excessiva. Tal fato acontece “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação” (Art. 317 CC).
Através da leitura acima de ambos os dispositivos legais, se verifica que jamais se poderia pensar em qualquer hipótese de agravamento do risco quando “ o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. ” (Art. 768 do nosso CC).
Em certa altura de seu alentado artigo doutrinário, diz a conceituada jurista uruguaia, verbis: “ Entendo que não, (tratando do agravamento do risco), pois como temos dito dos agravamentos em matéria de seguros de pessoas devem ser previstos na apólice, e as mudanças da saúde do segurado não são agravamento do risco que o segurador tenha previsto desde o começo do contrato, pois prevê, no risco assumido o prêmio correspondente, o envelhecimento das pessoas e o avanço das enfermidades a medida que transcorre a vigência do contrato”.
De outro giro, como adverte outro notável jurista e eminente doutrinador, a figura “da perturbação da prestação” - Leistungsstörung – ao comentar o § 275 (1) do BGB, ensina que este inciso junta a impossibilidade subjetiva (tanto ao devedor) e objetiva (quanto a qualquer outra pessoa) e ordena as mesmas consequências jurídicas ( a prestação é vedada) para estes dois tipos de impossibilidade, conseguindo uma unificação abrangente das consequências jurídicas, o que simplifica significativamente a solução dos casos da impossibilidade. (O Novo Direito das Obrigações no Código Civil Alemão – A Reforma de 2002, por Carl Friedrich Nordmeier”).
A impossibilidade de realizar “algo” é um fato que escapa, às vezes, dos limites de previsibilidade humana.
Novos desafios, todavia, são lançados para que nossa legislação venha a colmatar fatos que surgem com o evolver da vida.
É, portanto, necessário e imperioso nesta toada que se façam certas incursões doutrinárias comparativas objetivando, unicamente, o aperfeiçoamento de nosso sistema legal.
Pois bem. A Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito privado (RJET) no período da pandemia do coronavirus (Covid-19), data vênia, como disse algures em ensaio enviado para publicação, em obra coletiva, visando à comemoração dos 20 anos do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), não traz em seu bojo a previsão de qualquer dispositivo relativo a qualquer modalidade de contrato de seguro, empobrecendo, destarte, a meu sentir, uma ocasião ímpar em que muito se poderia contribuir para contarmos em nosso Código Civil, mesmo que em caráter transitório, com regras mais claras e específicas para ultrapassarmos um momento tão difícil nos tempos hodiernos.
É o que penso, s.m.j.
Porto Alegre, 24 de julho de 2020.
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
Compartilhe:: Participe do GRUPO SEGS - PORTAL NACIONAL no FACEBOOK...:
<::::::::::::::::::::>