A Quitação, a Sub-rogação e seus Efeitos
Questão interessante foi julgada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, datada de 20 de abril de 2020, sobre o elastério do nomen juris “quitação”, que, excepcionalmente, pode ainda ensejar o ajuizamento de uma demanda para ampliar a verba indenizatória aceita e recebida pela vítima em um acidente de trânsito. O julgamento ocorreu no AgInt no Recurso Especial sob nº 1.833.847/RS, Relatora Ministra Isabel Gallotti.
É sabença geral, que a “quitação” libera o devedor e o alforria de sua obrigação de um possível e bastante provável pagamento judicial. Tal entendimento se depreende da dicção do artigo 320 do nosso Código Civil.
No caso em que se julgou essa matéria, houve, ademais, no aspecto fático, um curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo com o desconhecimento da vítima à integralidade dos danos a ela advindos.
A verdade é que a jurisprudência, como anotou a relatora do recurso acima identificado, entendeu que em determinadas situações particulares, se aponta para a adoção de solução distinta, como, por exemplo, nas hipóteses de acréscimo da incapacidade parcial apurada em laudo médico como no caso de seguro obrigatório pago a menor. (Resp. 363.604/SP, Relatora Ministra Fátima Nancy Andrighi, DJ 17/06/2002).
De fato. A “quitação”, embora passada pelo devedor na crença de que ele recebeu a integralidade do que lhe era devido, pode, às vezes, em caráter excepcional à regra, mesmo que seja plena e geral não satisfazer plenamente seus interesses em um futuro próximo.
Frente a tal casuística é que existe o enunciado previsto nas disposições gerais do contrato de seguro no artigo 771 do nosso Código Civil, que diz textualmente:
“Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.
Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro”.
O conteúdo do dispositivo legal acima transcrito objetiva proporcionar ao segurador a extensão do dano sofrido por seu segurado e, em hipótese de sub-rogação, não agravar mais a situação do efetivo causador do evento ilícito. Pois, quanto maior o tempo decorrido entre o evento danoso e o pagamento da indenização o valor desta poderá aumentar consideravelmente.
Tal situação como disse algures, quando abordei a sub-rogação no contrato de seguro “tem como substrato o fato de que o segurador titular de um direito eventual possa, na qualidade de futuro credor do responsável pelo ato ilícito, exercer atos conservativos de seu interesse, vale dizer, resguardar sua condição de futuro sub-rogado e interromper a prescrição advinda do contrato de seguro”. E, arrematei: “Nem se registre neste pensar o formalismo de medidas, que se ultrapassariam com a aquiescência de ambas as partes, vale dizer, segurado e segurador. Seria um eufemismo ignorar a realidade e a possibilidade de se desprezar esta situação. Porém, o que não se pode é relegar ao oblívio regras jurídicas inerentes ao instituto sub cogitacione. (Edições Especiais. Revista dos Tribunais. 100 anos. Organizadores: Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin, vol. VI, 2015, pág. 836/837).
Enfim, embora a “quitação” seja instrumento que libere o devedor dos danos perpetrados por ele ou, eventualmente, seus prepostos a terceiros não significam que estes não possam, posteriormente, postular seus quejandos oriundos de uma avaliação, ou de uma perícia que é mais percuciente e detalhada constatando maiores direitos, assim como possibilitando que o instituto da sub-rogação se dê, via de regra, dentro daquilo que foi efetivamente dispendido por força de um acidente que encontra abrigo, via de regra, em uma cobertura securitária.
Porto Alegre, 22 de junho de 2020
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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