Ação “inusitada” proposta por sindicato das empresas de proteção veicular contra corretora de seguros legalmente registrada na SUSEP causa perplexidade no mercado de seguros
*Dorival Alves de Sousa
Na semana passada, tomamos conhecimento da matéria “Corretora de Seguros conclama entidades do setor após ser processada por sindicato das empresas de proteção veicular”, tendo como fonte um veículo eletrônico especializado no Mercado de Seguros[1].
Segundo a matéria, após enviar para o veículo especializado uma cópia da nota dirigida ao Presidente do Club de Regatas Vasco da Gama, manifestando seu repúdio ao fato daquele clube ter aceitado patrocínio de uma associação de proteção veicular, a corretora de seguros Sheyla Márcia Gonçalves Nunes, de Niterói (RJ), foi surpreendida pela notícia que o Sindicato das Empresas de Proteção Veicular a está processando por “dano moral” e que, a referida corretora, enviou cópia da notificação às entidades do setor, conclamando-as, em especial as que representam os corretores de seguros, a se manifestarem a respeito dessa ação.
Em seguida, o deputado federal Lucas Vergílio (SD-GO) manifestou nas redes sociais a sua total indignação com a propositura da ação anteriormente mencionada, conclamando “todos os corretores de seguros do Brasil” para que se manifestem contra essas associações “que causam prejuízos aos consumidores”, conforme matéria publicada na página eletrônica da FENACOR[2].
A questão relacionada às atividades desenvolvidas pelas associações de proteção veicular há muito vem sendo debatida pelo setor de seguros e daqueles que atuam com a referida proteção.
Esse debate, inclusive, vem sendo travado no Congresso Nacional, estando em tramitação um Projeto de Lei na Câmara Federal tratando da matéria, no caso o PLP-519/2018[3], de autoria do Deputado Lucas Vergílio (SD-GO). Após a discussão em Comissão Especial, o texto final foi aprovado e encontra-se, atualmente, com a Mesa Diretora da Câmara Federal.
Tendo em vista a “inusitada” ação proposta, permiti-me promover algumas pesquisas, acessando informações de acesso público na rede mundial de computadores, que entendo importante dividir com os leitores, considerando os debates acerca da matéria.
Primeiro, tentei obter informações acerca do autor da ação. No caso, o SINPROVEC – Sindicato Nacional das Empresas de Proteção Veicular, com sede em Brasília, o qual possui uma página eletrônica[4] na rede mundial de computadores. Entretanto, não encontrei informações disponibilizadas acerca da composição da sua Diretoria e seu mandato, bem como sobre o seu registro sindical.
Com o devido respeito, a ausência de registro sindical do autor, pode vir a ser considerado como um requisito ausente para a postulação em juízo do caso concreto, relacionado à legitimidade, considerando que eventual direito subjetivo seria da associação de proteção veicular patrocinadora do Clube retromencionado e não de um Sindicato que, inclusive, aparentemente, não possui registro sindical.
Ademais, chama a atenção, também, o fato de, a priori, tal Sindicato agregar “associações” e inserir em sua denominação a expressão “EMPRESAS DE PROTEÇÃO VEICULAR”. Ora, diferentemente do apregoado por tais associações e seus representantes, empresas são organizações econômicas, cíveis ou comerciais, constituídas para explorar um ramo de negócio e oferecer ao mercado bens e/ou serviços, enquanto o art. 53, do Código Civil, dispõe que constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Reforça esse entendimento o contido no Edital de Convocação para a Assembleia Geral da Comissão Pró-Fundação do SINPROVEC[5], que “convoca todos os Empresários, Representantes de Associações que atuem direta ou indiretamente na área de Proteção Veicular, Mutualistas, Rastreadores e Congêneres, Empresas de Auto-Gestão e outras que atuem no ramo em todo o Território Nacional”.
É recorrente vermos matérias, oriundas dessas associações e de entidades que se intitulam como suas representantes, mencionando a legalidade das atividades desempenhadas, a constitucionalidade da forma jurídica adotada e a liberdade de associação, mas o que se percebe, na prática, é a incoerência do discurso, pela “dubiedade” relacionada ao tipo societário das associações de proteção veicular, quando se percebe que o seu “representante” SINPROVEC admite agregar “EMPRESAS” e “EMPRESÁRIOS” de proteção veicular.
Por outro lado, importa ressaltar que a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, pela primeira vez, um recurso especial sobre a matéria (proteção veicular), em 21 de junho de 2018 – Resp 1.616.359-RJ[6]. Acerca dessa decisão, vale transcrever o seguinte:
“(...)
10. A questão desta demanda é que, pela própria descrição contida no aresto impugnado, verifica-se que a recorrida não pode se qualificar como "grupo restrito de ajuda mútua", dadas as características de típico contrato de seguro, além de que o serviço intitulado de "proteção automotiva" é aberto a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados, o que resulta em violação do dispositivo do art. 757 do Código Civil/2002, bem como dos arts. 24, 78 e 113 do Decreto-Lei n. 73/1966.
11. Aliás, tanto se trata de atividade que não encontra amparo na legislação atualmente vigente que a própria parte recorrida fez acostar aos autos diversos informes a título de projetos de lei que estariam tramitando no Poder Legislativo, a fim de alterar o art. 53 do Código Civil/2002, para permitir a atividade questionada neste feito. Ora, tratasse de ponto consolidado na legislação pátria, não haveria necessidade de qualquer alteração legislativa, a demonstrar que o produto veiculado e oferecido pela recorrida, por se constituir em atividade securitária, não possui amparo na liberdade associativa em geral e depende da intervenção reguladora a ser exercida pela recorrente.
12. Não se está afirmando que a requerida não possa se constituir em "grupo restrito de ajuda mútua", mas tal somente pode ocorrer se a parte se constituir em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n. 2.063/1940 e legislação correlata, obedecidas às restrições que constam de tal diploma legal e nos termos estritos do Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
(...)” (grifei)
No caso concreto, a meu juízo, vale algumas reflexões. O que levaria uma associação de proteção veicular se associar a um clube de massa para promover a sua “marca” e os seus produtos? Não estariam tentando alavancar a quantidade de associados/clientes? Qual “grupo restrito” estaria sendo objeto de tal veiculação? Qual a vinculação jurídica entre esses associados/clientes?
Posteriormente, tomei conhecimento de que o Clube Atlético Mineiro e o Cruzeiro Esporte Clube, outros clubes de massa, de igual forma, fecharam patrocínios com associações de proteção automotiva. Nesses casos, naturalmente, mantenho os mesmos questionamentos acima citados.
Com todos esses questionamentos (outros poderiam ser feitos), o que teria levado o autor da ação a solicitar “gratuidade de justiça”, no caso concreto? Seria uma possível condenação em custas e honorários sucumbenciais?
Valendo destacar que as representações da categoria como os Sincor’s e a Fenacor continuam sendo os canais mais apropriados para a discussão e o enfrentamento da questão posta, já que, ações individuais, podem resultar em dissabores dessa ordem. O engajamento coletivo, sem sombra de dúvidas, poderá trazer resultados mais efetivos, de forma, principalmente, a proteger os “consumidores” desses tipos de produtos.
*Autor: Dorival Alves de Sousa, corretor de seguros, advogado e diretor do Sincor-DF.
[1] Disponível em https://www.cqcs.com.br/noticia/corretora-de-seguros-conclama-entidades-do-setor-apos-ser-processada-por-sindicato-das-empresas-de-protecao-veicular/
[2] Disponível em https://www.fenacor.org.br/noticias/lucas-vergilio-repudia-associacoes-de-proteca
[3] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2178408
[4] Disponível em http://sinprovec.org.br/index.html
[5] Disponível em http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=3&pagina=155&data=24/10/2016
[6] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1724096&num_registro=201601943594&data=20180627&formato=PDF
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