Contaminação por mercúrio de peixes da região amazônica ultrapassa teor permitido; saiba riscos do consumo
Estudo da Fiocruz e outras instituições mostrou que peixes em 6 estados da Amazônia (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima) têm uma concentração de mercúrio em média 21,3% acima do teor permitido. Em humanos, contaminação pode causar problemas neurológicos, cardiovasculares e renais
Os peixes da região amazônica não estão próprios para consumo, por ultrapassarem o limite permitido de concentração de mercúrio – um metal que se ingerido por humanos pode se concentrar no sistema nervoso central e causar também danos neurológicos, cardiovasculares e renais. Segundo estudo de pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e das organizações Greenpeace, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil, os peixes em seis estados brasileiros na Amazônia (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima) têm uma concentração de mercúrio em média 21,3% acima do teor permitido, de 0,5 micrograma do metal por grama do alimento. A poluição dos peixes com mercúrio foi atribuída ao garimpo ilegal na região, segundo os pesquisadores. “A presença de metilmercúrio, que é uma das formas mais tóxicas desse metal pesado, presente em peixes próprios da bacia amazônica, se deve principalmente à mineração e a queima de carvão mineral por termoelétricas naquela região”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). A preocupação virou um problema de saúde pública: ao ser ingerido, esse metal pesado é absorvido no trato gastrointestinal e chega à corrente sanguínea, podendo viajar entre os órgãos e causar lesões.
De acordo com a médica nutróloga, existe uma portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que estabelece as quantidades máximas de mercúrio por quilo de peixe predador e não predador, que podem ser encontradas nesses pescados. “Se essas concentrações máximas não forem respeitadas ou não forem fiscalizadas, o consumo desses pescados pode causar malefícios à saúde da população que os consome com frequência”, alerta a médica nutróloga. Como o mercúrio é um metal pesado que tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e placentária, o consumo excessivo desta toxina pode causar danos à pessoa que o consome e, no caso das gestantes expostas a esse metal pesado, gerar complicações para o período gestacional, desde abortamento até malformação neurológica no bebê em formação, de acordo com a Dra. Marcella.
Segundo a médica nefrologista Dra. Caroline Reigada, especialista em Medicina Interna pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o mercúrio também está associado à lesão e morte celular, o que acontece no coração e nos rins. “Há mais estresse oxidativo e mais radicais de hidróxido e isso leva à morte celular”, diz a médica. “Existe uma doença chamada glomerulopatia membranosa, que é a perda de proteína em excesso pelos rins associada à intoxicação por mercúrio. É uma nefropatia membranosa, que pode estar associada à intoxicação por mercúrio, mas o dano mais importante é o neurológico que o mercúrio causa”, diz a Dra. Caroline Reigada.
A nefrologista conta que o primeiro episódio de intoxicação por mercúrio foi em 1952 em uma família na Suécia, que consumiu farinha de grãos que foram tratados inadvertidamente com metilmercúrio. “A mãe que ingeriu isso deu à luz a duas crianças com deficiências intelectuais e com graves problemas motores. Foi o primeiro caso descrito de exposição congenital a metilmercúrio”, diz a Dra. Caroline. Ela relembra o caso clássico do desastre de Minamata, cidade japonesa em que houve envenenamento por metilmercúrio causado por uma indústria produtora de acetaldeído. “Os resíduos de mercúrio jogados na baía de Minamata contaminaram os peixes da baía, então a população teve um comprometimento na alimentação, pois tinha uma dieta rica em pescados. E a partir de 1955, começaram a nascer as crianças com muitos distúrbios neurológicos por conta das mães que se contaminaram durante a gestação”, destaca a Dra. Caroline Reigada.
No caso das crianças infectadas, a nefrologista conta que elas podem ter problemas visuais, dificuldade para articular as palavras, diminuição auditiva, com consequente diminuição do desenvolvimento psicomotor. “No adulto, isso pode ser confundido com sintomas de Parkinson e Alzheimer, pode dar também dificuldades de coordenação, distúrbios visuais e auditivos. No sistema cardiovascular, existe uma maior incidência por infarto e doença coronariana em pacientes que foram contaminados por peixes que tinham alta concentração de mercúrio”, diz a médica Dra. Caroline. “É importante ressaltar que esse é um contaminante ambiental e está associado a desfecho na saúde a longo prazo; quando afeta crianças, a longo prazo elas podem ter dificuldade de aprendizado e baixo QI”, explica.
Para as populações ribeirinhas, que são expostas a concentrações maiores de mercúrio, e as pessoas que consomem grandes quantidades de pescados, particularmente aqueles originários da região amazônica da bacia amazônica, a médica nutróloga destaca que a exposição ao mercúrio pode levar a intoxicação, que pode ter sintomas desde leves, como tremores, sonolências, náuseas, cefaleias, fraqueza muscular e queixas de memória. “Em casos de intoxicação por mercúrio em concentrações maiores em pessoas que têm uma saúde mais debilitada, isso pode levar ao mal funcionamento de rins, fígado e pulmão e sistema nervoso particularmente, que pode agravar problemas de saúde já existentes ou desencadear alterações ou doenças crônicas de saúde degenerativas, particularmente neurológicas, que podem inclusive colocar a vida em risco”, finaliza a Dra. Marcella.
FONTES: *DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez
*DRA. CAROLINE REIGADA: Médica nefrologista, especialista em Medicina Interna pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A médica é especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro, a Dra. Caroline Reigada participa periodicamente de cursos e congressos, além de ter publicado uma série de trabalhos científicos premiados. Participou do curso “The Brigham Renal Board Review Course” em Harvard. Atualmente é médica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
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