Agricultura e polinizadores: interação sustentável que promove crescimento econômico
Por André Amarildo Sezerino, engenheiro agrônomo, doutor em recursos genéticos vegetais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador na Estação Experimental de Caçador (SC) da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
A agropecuária e o agronegócio ocupam papel relevante no desenvolvimento socioeconômico da maioria dos estados brasileiros por meio da geração de emprego e renda para milhares de famílias dos meios rural e urbano. O desempenho do agro é influenciado por diversos fatores: clima, área cultivada, tamanho das criações, tecnologias empregadas, custos de produção, demanda dos produtos nos mercados interno e externo, taxa de câmbio, comportamento geral da economia, entre outros. Em 2020, o valor da produção agropecuária somente do estado de Santa Catarina (que tem apenas 1% da extensão territorial do Brasil) foi de R$ 40,9 bilhões, sendo parte dessa produção dependente da polinização por abelhas em maior ou menor necessidade.
Em termos globais, a contribuição dos polinizadores às principais culturas dependentes destes agentes alcança US$ 54 bilhões por ano, podendo chegar à 200 bilhões de dólares. Nos Estados Unidos a contribuição dos polinizadores no incremento da fecundação das flores de diversas culturas traz rendimentos estimados entre 20 e 40 bilhões de dólares por ano e, somente na cultura da maçã, estima-se em US$ 1,58 bilhões o valor anual atribuído à polinização por abelhas Apis mellifera e abelhas nativas.
No Brasil, apenas oito culturas dependentes de polinizadores são responsáveis por US$ 9,3 bilhões em exportações. Na região Sul, a cultura da macieira produz anualmente cerca de 1,1 milhão de toneladas de maçãs em aproximadamente 35 mil hectares, movimentando em média R$ 7 bilhões ao ano desde o campo até as vendas nos mercados. Por ano nessa cultura são utilizadas ao redor de 100.000 colônias de abelhas Apis mellifera, gerando mais de R$ 5 milhões somente com o aluguel de colmeias.
Apesar da importância dos polinizadores na agricultura, observa-se que estes ainda são subutilizados no Brasil. O déficit na polinização é reconhecidamente um dos maiores problemas na fruticultura, sendo as culturas da maçã e do melão com uso mais intensivo de polinização dirigida. Para se ter uma ideia na Coréia do Sul são utilizadas anualmente cerca de 500.000 colmeias de Apis mellifera e mais de 64.000 colmeias de mamangavas (Bombus spp.) para a polinização dos mais variados cultivos.
A necessidade de polinização cruzada é bastante variável de acordo com a espécie cultivada, as quais podem ser classificadas como dependentes, beneficiadas ou não dependentes. No caso específico da cultura da macieira, uma espécie dependente de polinização por abelhas, as plantas apresentam flores auto-incompatíveis, ou seja, não se autopolinizam, por isso necessitam da presença de duas ou mais cultivares para que os frutos sejam formados, sendo assim, é de fundamental importância a polinização cruzada (transferência de pólen entre cultivares) e que existam agentes polinizadores capazes de realizar transferência do pólen entre as flores. Uma boa polinização não se reflete apenas em aumento na produtividade, mas também na qualidade, uma vez que frutos mal polinizados ficam deformados e perdem valor comercial.
Nas condições do Sul do Brasil, nas principais regiões produtoras de frutos de clima temperado, não é raro ocorrerem condições adversas para a adequada polinização. Fatores climáticos como chuvas, ventos acima de 25 km/h, baixas temperaturas durante o período de floração, além de cultivos com baixa percentagem de plantas polinizadoras ou baixa densidade de floração da polinizadora e problemas de coincidência da floração entre as cultivares afetam diretamente a polinização. Devido a isso, o manejo da polinização de pomares deve ser planejado cuidadosamente, desde a implantação do pomar com a escolha das cultivares e seu arranjo de plantio, passando pela correta condução das plantas e, durante a floração das mesmas, o fruticultor deve ficar atento principalmente na qualidade e o correto manejo das colmeias além de ficar atento às condições climáticas.
No Brasil, as recomendações técnicas de densidade de colmeias por hectare de área plantada em pomares de macieiras são baseadas em estudos conduzidos na década de 1970 em lavouras das cultivares ‘Golden Delicious’ e ‘Starkrinson’. A recomendação para aquela época e ainda utilizada atualmente é entre 0,5 e 3,0 colmeias/ha, sendo que os antigos plantios apresentavam densidades em torno de 600 plantas por hectare e plantas com uma média de 330 flores. Atualmente, a maior parte das lavouras apresentam plantios em alta densidade (>2.500 plantas/ha) e plantas muitas vezes com mais de 1000 flores, ou seja, a quantidade de flores por área aumentou significativamente, enquanto a recomendação da quantidade de abelhas por área manteve-se a mesma da década de 1970.
Em países como o Canadá, Chile e Argentina, fruticultores tem utilizado cada vez mais colmeias por área para que mais abelhas possam visitar as flores durante os períodos favoráveis ao forrageamento. Atualmente em cultivos de maçã no Canadá são utilizadas 7 colmeias/ha em condições ótimas de forrageio e 12 colmeias/ha quando da ocorrência de condições meteorológicas adversas e/ou competição floral. Na Argentina diversos produtores utilizam uma densidade de 4-6 colmeias/ha na macieira. No Chile, na cultura do quivi, é comum a utilização de até 20 colônias por hectare plantado.
Nas principais regiões de produção de frutas temperadas do Brasil é comum o florescimento de espécies de interesse apícola durante o mesmo período de floração das macieiras, causando uma forte competição que acaba “roubando” as abelhas dos pomares. Devido a isso, a forma de introdução das colmeias nos cultivos é fundamental para aumentar a eficiência da polinização. A introdução de seis colmeias por hectare sequencialmente, em duas vezes (metade com 10-20% de flores abertas e a outra metade na plena floração), apresenta resultados de fixação de frutos bastante superiores comparativamente à introdução de somente três colmeias por hectare no início da floração, uma vez que nas colônias recém migradas as abelhas aumentam o raio de voo aos poucos, permanecendo no pomar até que encontre outra fonte de néctar mais interessante.
Outro fator decisivo é a qualidade das colmeias utilizadas para a polinização da cultura alvo. Quando uma colmeia é alugada para polinizar um cultivo, essa deve cumprir alguns requisitos quanto ao tamanho e desenvolvimento da cria, sendo que para polinização de espécies frutíferas é aceitável quatro a cinco favos com cria sendo pelo menos 2 favos com larvas, dois favos com mel e pólen e oito a dez favos cobertos com abelhas adultas. Uma vez que as abelhas colhem o pólen das flores como alimento para as larvas, a quantidade de favos com larvas na colmeia é considerada um fator determinante para a coleta deste recurso e, quanto maior a quantidade de larvas, maior é a eficiência desta colmeia como polinizadora. Portanto, é necessário ocorrer uma avaliação criteriosa nas colmeias, classificando-as de acordo com seu potencial populacional no momento da introdução na área de plantio, optando-se preferencialmente por colônias com rainhas de até dois anos de idade e com alta capacidade de postura.
Estudos recentes têm demonstrado que a introdução de colmeias de abelhas nativas (Mandaçaia, Manduri, Tubuna, Jataí, Mirins e Guaraipo) nas áreas de pomar com cobertura de tela antigranizo aumenta significativamente a frutificação efetiva, produção por planta, número de sementes por fruto e o peso médio dos frutos, mostrando que os meliponíneos tem um grande potencial como polinizadores complementares as abelhas Apis mellifera.
Devido a uma inadequada polinização, a frutificação nos pomares de algumas fruteiras de clima temperado está sendo obtida mediante larga utilização de reguladores de crescimento. Dentre as substâncias com ação na frutificação podem ser citados o ácido giberélico (GA3), o Thidhiazurom (TDZ) e o Proexadione cálcio (PCa) os quais estimulam diferentes processos metabólicos e fisiológicos nas plantas, podendo promover o aumento na frutificação efetiva, sendo ferramentas úteis na indução da formação de frutos partenocárpicos quando as condições para a polinização por abelhas forem desfavoráveis, mas nunca conseguirão substituir totalmente os efeitos de uma boa polinização.
O manejo da polinização como um todo é complexo e requer um conjunto de cuidados prévios que se iniciam no planejamento da implantação do pomar até chegar no manejo das abelhas de cada ciclo produtivo. Assim como existe Manejo Integrado de Pragas (MIP) que consiste na utilização de diversos métodos e medidas de manejo que visam manter as pragas sempre abaixo do nível em que causam danos econômicos, devemos pensar também no Manejo Integrado da Polinização (MIPol) o qual deve reunir diversas ações pensadas racionalmente para a otimização da polinização cruzada em cada cultivo específico e, assim, promover o aumento da produtividade, qualidade e lucratividade de todos os envolvidos na cadeia de produção.
Esse caminho deve passar pela profissionalização dessa importante etapa da produção de alimentos, iniciando por uma apicultura migratória profissional na prestação desse serviço com o aluguel de colônias de abelhas adequadas para polinização de cultivos específicos, assim como a responsabilidade dos agricultores na manutenção da sanidade das abelhas tomando os devidos cuidados nas aplicações e comunicando sempre o apicultor quando da utilização de defensivos nas lavouras.
Bibliografia consultada
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