Molécula encontrada em saliva do carrapato pode ajudar a tratar distúrbios da coagulação, presentes em doenças cardiovasculares e câncer, aponta estudo do Butantan
Em parceria com o Instituto Pasteur da Tunísia, pesquisa auxilia na busca por novos anticoagulantes com menos reações adversas
Uma molécula identificada por pesquisadores do Instituto Butantan nas glândulas salivares do Hyalomma dromedarii, carrapato de camelos do Deserto do Saara, demonstrou uma atividade anticoagulante significativa em testes iniciais realizados em laboratório. A descoberta pode abrir caminho para a busca de novos fármacos para distúrbios da coagulação sanguínea, que podem estar presentes em doenças cardiovasculares e no câncer. O estudo é fruto de uma parceria com o Instituto Pasteur da Tunísia e foi publicado na revista Toxins em dezembro de 2021.
Denominada Dromaserpina, a molécula é capaz de inibir o principal fator da coagulação, a trombina, proteína essencial para a formação dos coágulos sanguíneos, além de interferir na agregação das plaquetas, células da corrente sanguínea. “Após selecionar a molécula para a pesquisa, nós fizemos a clonagem e a expressamos em bactérias. Depois, purificamos a molécula para caracterizar a sua estrutura e verificar a sua atividade em testes globais de coagulação sanguínea e seus fatores”, explica a diretora do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação, Fernanda Faria, coordenadora do estudo.
Em uma análise paralela, os cientistas testaram a atividade da molécula na presença da heparina, um anticoagulante comumente utilizado em hospitais. “Existem evidências de que alguns inibidores de coagulação podem ser potencializados pela heparina. Foi o caso da Dromaserpina: com a presença desse fármaco, a molécula apresentou uma atividade anticoagulante muito mais importante”, diz a pesquisadora.
O próximo passo do trabalho, que deve ter início em março, é investigar a atividade da Dromaserpina em células (testes in vitro), usando modelos como inflamação e câncer, onde a trombina, seu principal alvo, pode atuar. Caso os resultados sejam positivos, os testes em animais devem começar no próximo ano.
Nova molécula pode diminuir efeitos adversos
A linha de pesquisa da diretora do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação foca principalmente no estudo de animais hematófagos, ou seja, que se alimentam de sangue, como carrapatos e sanguessugas. “Para que possam se alimentar, eles precisam que o sangue do hospedeiro esteja fluido, por isso possuem moléculas com ação anticoagulante em sua saliva. Nós buscamos identificar essas moléculas para encontrar candidatos para o tratamento de doenças cardiovasculares, por exemplo”, afirma Fernanda.
Existe um grande interesse na identificação de novas moléculas com potencial anticoagulante, já que os anticoagulantes disponíveis atualmente têm uma série de efeitos adversos. “Em alguns casos, o medicamento pode impedir o processo de coagulação de voltar ao normal, deixando o sangue totalmente incoagulável e causando hemorragias”, explica.
E não são apenas os pacientes com doenças cardiovasculares que podem se beneficiar com essas descobertas: os anticoagulantes costumam ser aplicados no tratamento do câncer, doença que também pode causar um excesso de coagulação através da formação de trombos, e, ultimamente, têm sido também utilizados para tratar efeitos causados pela Covid-19.
Um exemplo de anticoagulante já usado em pacientes e proveniente de um animal hematófago é a hirudina, encontrada nas glândulas salivares das sanguessugas. Aprovada no final dos anos 1990, a substância é um inibidor direto da trombina.
Parceria internacional
A composição da saliva do carrapato Hyalomma dromedarii vem sendo estudada desde 2014 pelo grupo, quando se iniciou a parceria com o Instituto Pasteur da Tunísia. Em 2017, o transcriptoma e proteoma das glândulas salivares do animal foram desvendados, contribuindo para a construção de um banco de dados com informações sobre todas as moléculas ali presentes. A partir disso, algumas moléculas foram selecionadas para estudo, dentre elas a Dromaserpina.
O trabalho faz parte do doutorado da estudante Hajer Aounallah, da Tunísia, que vem sendo desenvolvido em cotutela, algo inédito na Pós-Graduação em Toxinologia do Instituto Butantan (PGTOX). O acordo acadêmico entre a PGTOX e a Universidade de Tunis El Manar – Instituto Pasteur na Tunísia lhe permitirá receber o título de doutora em ambas as instituições.
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