A resiliência da agricultura
Sérgio Coutinho*
Muito se fala do aumento de expectativa e da qualidade de vida que a revolução industrial trouxe. Muito pouco se fala da revolução agrícola que permitiu o êxodo das fazendas para as fábricas.
Nos últimos 60 anos a população mundial cresceu cerca de 250% e a produtividade agrícola cerca de 350%. Ao mesmo tempo, a porcentagem de pessoas morando nas áreas rurais caiu de aproximadamente 70% para menos de 45%. Ou seja, estamos produzindo quase cinco vezes mais por pessoa do que há 60 anos.
Dos pulmões negros dos mineiros (pneumoconiose), ou petrificado dos tecelões (bissinose), o pulmão da indústria passou a ser o motor. E o motor que substituiu os pulmões da indústria substituiu o braço que cortava a cana, girava o moinho, empurrava o arado ou empunhava a enxada. Essa substituição não vem sem turbulência social, pois embora esses empregos sejam substituídos por outros que exigem do indivíduo mais trabalho mental e menos físico, muitos não estão prontos para a transição quando ela acontece. Como observou Yuval Noah Harari, autor de ‘Sapiens’, muitos profissionais não ficarão apenas desempregados, não serão mais empregáveis. Não é a melancólica realidade dos desempregados, é desolação dos inimpregáveis.
Esse incremento produtivo nos entrega um mundo melhor, onde podemos trabalhar menos, ganhar mais, viver uma vida mais dinâmica, mais segura, mais saudável, melhor. Como diz Steven Pinker, “Pode não parecer, mas o mundo está melhorando”. Todavia, precisamos lidar com a realidade da liberação de um significativo contingente. Isso não é uma novidade, é uma realidade.
Felizmente, o aumento da produtividade, consequência da evolução tecnológica segue uma progressão geométrica, a ponto de ser capaz de arcar com os custos da corrupção e da ineficiência do Estado, e ainda assim poder aumentar o colchão de segurança para os desolados. Esse fato pode ser observado na redução da fome, aumento da expectativa de vida e praticamente todas as demais métricas de análise socioeconômica.
Assim nasce a discussão de se não faria mais sentido simplesmente garantir aos dependentes e inimpregáveis uma renda básica universal. Mais barato e eficiente do que alocarmos tantos recursos (no Brasil, entre 40% e 50% do todo) ao Estado, que consome a maior parte na sua própria manutenção, direcionando aos necessitados apenas uma ínfima parcela do que foi tomado do pagador de impostos. Divago.
Os incrementos produtivos são, portanto, mudanças de natureza geométrica. Conseguimos prever o futuro imediato com alguma precisão, mas não estamos prontos para estimar o que vem depois, por causa do efeito multiplicador composto. São mudanças marginais, evolutivas, de destruição criativa, Schumpeterianas. Começamos com uma célula e pisamos na lua.
Há, entretanto, um outro tipo de mudança relevante inesperada, advinda de eventos raros, mas cujo impacto tremendo e que transforma permanentemente o panorama. Os impactos desses eventos foram recentemente descritos e batizados de “Cisnes Negros” e popularizados pelo analista de risco Líbano-Americao Nassim Nicholas Taleb.
A única constante é a mudança, mas, a mudança não é constante. Ela vem incremental, proporcional, destrutivamente criando, até que algo muda, chacoalha tudo e muda as regras do jogo para sempre.
Mas há uma exceção. Mesmo com a coletivização forçada da agricultura pelo governo soviético da década de 30, que culminou na morte por fome de milhões de pessoas (entre três e quatorze, dependendo da fonte), e no confisco dos alimentos da Ucrânia pelo Estado Soviético, conhecido como Holodomor, que culminou em trágicos eventos de canibalismo, origem do dito popular “comunista come criancinha”.
Mesmo com a grande fome chinesa do “Grande Salto Adiante” causada pela coletivização forçada através da reorganização da produção agrícola em “Comunas Populares”, culminou na morte de ainda mais milhões de pessoas (entre dez e cinquenta e cinco, dependendo da fonte).
Mesmo com tsunamis, furacões e pragas, mesmo com guerras, crashes e mortes, mesmo com eventuais decréscimos pontuais causados pela coletivização forçada e as suas devastadoras consequências.
A agricultura global segue crescendo em produtividade.
O agricultor é frágil. O fruto do seu trabalho é sensível ao clima, às pragas, às mudanças regulatórias, ao câmbio, à mato-competição e a tantos outros. Mas, se o agricultor é frágil, a agricultura é resiliente. Há substituto para qualquer produto individual, mas não há substituto para o ato de comer.
É da natureza do homem comer e é da natureza do trabalhador rural produzir. A necessidade da segurança alimentar global, função primordial e basilar, nos obriga a fazer com que assim seja.
Nossas vidas dependem, de maneira bastante literal, do desenvolvimento das novas tecnologias que suportem o aumento de produtividade dos agricultores do amanhã.
E é nossa missão garantir que isso aconteça de forma ambientalmente sustentável, socialmente responsável e economicamente viável.
*Co-CEO Grupo Zasso
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