Consumidor é protagonista da agricultura do futuro
Preocupações com o meio ambiente e dietas balanceadas impulsionam a pesquisa e a inovação
No quinto e último dia da Semana Internacional de Agricultura Tropical – AgriTrop2021, que teve como tema Inovação e o futuro da alimentação mundial: uma rota para a sustentabilidade, especialistas apontaram o consumidor como farol da agricultura do futuro. Marcos Fava Neves, professor da USP e da FGV, falou sobre o macroambiente que influencia as cadeias produtivas do agro atualmente: político, econômico, social e tecnológico na palestra de abertura da última sessão, que foi moderada por Rodrigo Lima, do Agroícone,
Para Fava Neves, a mudança no perfil dos consumidores são duradoras, como exemplo ele citou a preocupação com o desperdício; o fortalecimento da inclusão socioeconômica, especialmente entre os mais jovens; a valorização da alimentação balanceada e saudável; o bem-estar animal; o engajamento coletivo; a confiança na ciência e o apoio à produção local.
Na avaliação do professor, as mudanças que se destacam se referem também nas novas formas de trabalho, com a introdução do home-office, além da economia circular e a gestão de riscos. N
o que se refere a agricultura, para Fava Neves, a digitalização mudou completamente o cenário “A agricultura de precisão, a partir de instrumentos de monitoramento por satélite, sensoriamento remoto, georreferenciamento e uso de aplicativos e softwares, permite monitorar a produção agrícola em detalhes nas propriedades rurais não mais em hectares, mas, literalmente, em metros quadrados”, pontuou.
Para ele, a procura por empregos relacionadas ao agro é cada vez maior, especialmente entre os jovens. Ele ressaltou, ainda, que há um crescimento acentuado de startups no Brasil, com boa parte deste segmento voltado para o setor.
Financiamento de redes de inovação
Eugenia Siani, secretária-executiva do Fontagro, explicou o funcionamento deste fundo regional para tecnologia agrícola, que financia plataformas e ecossistemas e conta com a participação de 14 países da América Latina e quatro do Caribe. “Nosso desafio é criar novos conhecimentos com tecnologia e inovação de maneira que possamos ter segurança alimentar e ajudar a reduzir a pobreza”, exolicou. Segundo ela, atualmente há 167 plataformas de inovação. “Para nós, é importante formar sistemas agroalimentares do conhecimento, para sermos mais inclusivos do ponto de vista ambiental e da sociedade”.
De acordo com Eugenia, a instituição foca em três estratégias principais: dentro dos estabelecimentos para aumentar a produtividade e criar redes; fora das fazendas para ajudar na construção de sistemas produtivos mais sustentáveis; e no desafio da alimentação, nutrição e saúde para assegurar que todos os consumidores recebam a nutrição e quantidade de vitaminas e nutrientes corretos. Ela destacou que o Brasil ainda não participa do mecanismo.
Fazendas Verticais
Em sua apresentação, Ítalo Guedes, pesquisador da Embrapa Hortaliças, falou sobre um exemplo prático de inovação: as fazendas verticais para produção de hortaliças. O sistema permite produzir em locais fechados, e em centros urbanos, a partir de tecnologias como sensores de condições ambientais, iluminação artificial e cultivos sem solo. “As fazendas indoor não estão sujeitas a impactos climáticos ou a sazonalidade de culturas. Outra vantagem é o controle rigoroso de pragas, o que elimina a necessidade de defensivos químicos, e a reutilização de quase toda a água empregada, o que torna a prática ideal para cidades que sofrem com restrições hídricas”, explicou.
Segundo Guedes, o consumo de hortaliças ainda é baixo no Brasil e a área cultivada é pequena, de cerca de 1 milhão de hectares. “Investir em tecnologias para aumentar a inclusão desses alimentos na dieta dos brasileiros sempre foi uma preocupação da Embrapa”, pontuou o pesquisador. Estimativas apontam que em 2050, 80% da população estará concentrada em centros urbanos e as fazendas verticais levam o campo para as cidades, além de ser um sistema sustentável por prescindir da necessidade de solo. “Não se trata de uma tecnologia que vai substituir o cultivo de hortaliças no campo, mas é mais um nicho nesse mercado”, ponderou.
Virada Tecnológica
O diretor de Inovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Cleber Soares, falou sobre a agenda de inovação do governo federal para a agricultura com horizonte até 2025. Segundo ele, até os anos 1990, mais de 70% do fator que explicou o incremento de produtividade era terra e trabalho e menos de 25%, tecnologia. “Na virada do século, esses indicadores mudaram a ponto de hoje o fator tecnologia explicar mais de 80% dos incrementos de produtividade”, disse.
Por isso, segundo Soares, o Ministério da Agricultura possui uma agenda com cinco eixos estratégicos que chama de B2, para se referir a uma “agricultura cada vez mais agrobiodigital”.
De acordo com Soares, o primeiro eixo é a sustentabilidade. “Quando falamos de sustentabilidade, não estamos falando apenas do carbono e do uso de forma consciente da água, mas também do clima, especialmente pelas mudanças climáticas. O segundo eixo é a bioeconomia pelo fato de que hoje mais de 70% da alimentação do mundo está sustentada pelas nove principais culturas agrícolas e dessas nenhuma tem centro de partida no Brasil. Em contrapartida, nós temos cerca de 20% da mega biodiversidade do planeta”, comparou.
O terceiro eixo, é o digital, que, de acordo com o diretor de Inovação do MAPA, é uma grande ferramenta para promover a transformação do agronegócio com robôs e inteligência artificial. “O quarto eixo é a inovação aberta sob a lógica de fortalecer as parcerias, pois precisamos conectar o agronegócio com outros setores produtivos”, explicou.
De acordo com Soares, o último eixo é o de food tech. “Estamos construindo uma agenda para avançarmos com novos ingredientes e processos que agreguem valor sobre o produto, além de alimentos à base de planta, fazendas verticais, entre outras agendas” resumiu.
Alimentos do futuro
Segundo Paulo Silveira, CEO da Food and Tech Hub, o modelo de inovação na área de alimentos está bastante consolidado no Brasil e a expectativa é expandir para outros países da América Latina, como Argentina, Colômbia e México.
Criado há pouco mais de dois anos, a ideia do hub é aglutinar food techs disruptivas para construção virtual de stakeholders. O principal objetivo do Food Tech Hub é facilitar a inovação aberta e, para isso, trabalha com parceiros públicos e privados de CT&I no Brasil e no exterior.
“Os pilares que norteiam a atuação do Hub estão alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU e priorizam novas tecnologias voltadas à alimentação com base no aproveitamento sustentável e agregação de valor à biodiversidade brasileira, que representa cerca de 20% do Planeta”, disse Silveira. Ele explicou que o hub iniciou parceria com o MAPA para elaborar um roteiro de novos nutrientes e proteínas alternativas.
Entre as principais linhas de atuação do Food Tech Hub, destacam-se a redução do desperdício e perda de alimentos durante o processo (food lost), segurança alimentar (food safe) e, com a pandemia, cresceu muito a tendência de serviços de alimentação (food service).
Relação produtor Consumidor
A agro influencer e produtora de hortaliças, Camila Teles, CEO da FarmCom, ressaltou a importância de intensificar a comunicação sobre o agro brasileiro e a Agricultura Tropical e de combater fake news no setor. “Decidi defender o agro de inverdades nas redes sociais porque estamos em uma era em que as pessoas espalham as informações que elas acham mais coerentes e as transformam em conhecimento com suas próprias conclusões”, disse.
Para ela, o risco é que as novas gerações do agro podem ser influenciadas de forma errada, com informações sem comprovação. Para ela, uma das consequências da desinformação é desconectar a agenda do agro dos conceitos ligados à sustentabilidade. “Sustentabilidade tem que ser uma palavra que ande ao lado da palavra agropecuária”, enfatizou.
Na avaliação da agro influencer, um dos desafios da comunicação do setor é aproximar o produtor do consumidor final. “Muitas vezes, produtores acabam passando uma imagem de superioridade, em fotos de colheitadeiras, uma do lado da outra, enfatizando que o agronegócio é gigante. A gente tem que humanizar o agro. Agricultura não tem tamanho, tem importância. O pequeno agricultor tem importância, assim como o médio e o grande, todos são importantes e isso deve ser valorizado e comunicado”, disse. “O Brasil já está no futuro em relação a agricultura. Nós conseguimos enxergar que não tem só um modelo ideal de agricultura, mas vários nichos e formas de produção. O agro está sempre em desenvolvimento e sempre em mudança”, concluiu.
Novas Edições
No encerramento do evento, o coordenador de Agronegócios da FGV e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, lembrou o legado do ex-ministro Alysson Paolinelli para o desenvolvimento do sistema de pesquisa agropecuária brasileiro, e disse que o evento, que prestou tributo a um dos fundadores da Embrapa, foi baseado exatamente nos dois eixos que Paolinelli legou: a valorização da ciência e da tecnologia. “Ambos fazem parte do DNA dos organizadores deste evento: a Embrapa e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA”, ressaltou.
Para Gabriel Delgado, representante do IICA no Brasil, o evento que rendeu homenagens a toda a vida de Paolinelli propôs uma agenda para o futuro da Agricultura Tropical. “Acredito que o evento organiza as discussões não somente regionais, mas também em todo o mundo”, disse. Ele defendeu que a Semana Internacional de Agricultura Tropical se torne periódica. Para ele, as discussões colocaram luz sobre as estratégias, discussões e decisões que precisam ser implementadas no futuro. “O Brasil pode liderar a agricultura tropical em boa parte do planeta”, disse.
O diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, Guy de Capdeville, reforçou a ideia de tornar o evento periódico. “A parceria entre a Embrapa e o IICA é antiga e para sempre. E um evento desse nível técnico merece e deve ter continuidade”, pontuou.
Em relação ao homenageado do AgriTrop, Capdeville disse que a escolha não poderia ser mais adequada. “Veio dele o pontapé inicial para que a agricultura tropical brasileira se transformasse na potência que é hoje”, ponderou, lembrando que ele sempre foi um incentivador da ciência, “base para um modelo agrícola de sucesso”. O diretor da Embrapa ressaltou ainda que é o objetivo do Brasil é estreitar parcerias com países vizinhos para transformar a América do Sul em um celeiro para a produção de alimentos.
Compartilhe:: Participe do GRUPO SEGS - PORTAL NACIONAL no FACEBOOK...:
<::::::::::::::::::::>