Os Desafios Jurídicos do Agronegócio Para 2021
Por Frederico Favacho*
Ninguém duvida que o ano de 2020 foi um ano de grandes desafios. A humanidade foi testada em vários sentidos e, francamente, ainda não sabemos se efetivamente passamos no teste. Alguns esforços, no entanto, se destacaram nesse período: o dos cientistas na busca da vacina e do tratamento da COVID-19 e do agronegócio, para manter a cadeia de suprimento dos insumos agropecuários e garantir a segurança alimentar planetária.
Para o agronegócio brasileiro os desafios não foram pequenos. Desde manter os trabalhadores rurais e os das indústrias processadoras, bem como suas famílias, sanitariamente seguros sem prejuízo da continuidade da produção, até garantir a regularidade na distribuição dos produtos, por via rodoviária e marítima, respeitando contratos domésticos e internacionais.
Os esforços em 2020 valeram a pena, sem dúvida. O setor do agronegócio saiu praticamente ileso da crise econômica provocada pela pandemia e ainda experimentou forte alta dos preços das principais commodities exportadas. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, entre janeiro e agosto de 2020 as exportações brasileiras de produtos do agronegócio somaram US$ 69,63 bilhões, o que representou um crescimento de 8,3% em relação ao mesmo período em 2019, quando as vendas foram de US$ 64,31 bilhões. Projeções indicam que o Brasil deve bater novo recorde nas exportações dos produtos do agronegócio em 2020.
O ano de 2020 ainda assistiu a promulgação da Nova Lei do Agro, como ficou conhecida a Lei 13.986/20 que trouxe várias novidades relacionadas ao financiamento e à viabilização financeira do setor, como a modernização dos títulos do agronegócio e a possibilidade de sua emissão em moeda estrangeira, a instituição de novos instrumentos de garantiaa serem oferecidos pelos tomadores de crédito.
Esse histórico, juntamente com as boas notícias em relação à produção de vacinas eficientes por diferentes laboratórios internacionais, deveria trazer uma expectativa de refresco e bonança para o ano de 2021, mas lamentavelmente outros desafios, principalmente jurídicos, aparecem no horizonte do novo ano, reclamando nossa atenção e prevenção.
Apesar dos avanços trazidos pela Nova Lei do Agro, alguns aspectos ainda precisam ser regulamentados para que possam efetivamente entrar em prática, em especial as regras para o registro das CPRs, que será obrigatório a partir de 1º de janeiro como condição de validade e eficácia. O desafio, neste caso, é não deixar que essa obrigação se torne apenas mais uma burocracia para a emissão das CPRs mas, sim, um instrumento vantajoso para o setor, seja no levantamento do endividamento do emitente da CPR, seja para a rastreabilidade do produto representada pelo título. Além disso, é vital que o registro das CPRs converse com o registro das respectivas garantias reais inclusas no título, seja o penhor rural do produto, seja a alienação fiduciária do imóvel. Vale dizer, se não houver interação entre esses registros e o beneficiário do título continuar com o ônus de se deslocar até os respectivos cartórios de registro de imóveis para o registro das garantias, a obrigação prevista do artigo 12 da lei 13.986|20 se revelará inócua.
Outro grande desafio vem na esteira da aprovação do Projeto de Lei n° 4458, de 2020, que altera as Leis nºs 11.101, de 2005; 10.522, de 2002; e 8.929, de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. Influenciada pelos recentes precedentes doSuperior Tribunal de Justiça que reconhecem o direito ao devedor ruralem requerer recuperação judicial, mesmo que possua registro recente na Junta Comercial, mas que exerça regularmente sua atividade há mais de dois anos e com contabilização regular de suas operações, a nova lei de Recuperação Judicial trará para os contratos celebrados no setor do agronegócio brasileiro um risco novo que certamente impactará nas tomadas de decisão de concessão de crédito.
Aliás, é nos contratos que reside outro importante desafio jurídico para o ano de 2021. Dados publicados na mídia indicam que em agosto deste ano de 2020 já se havia negociado aproximadamente 44% das 131,6 milhões de toneladas estimadas para o ano, um percentual quase três vezes superior à média para o período. Ocorre que a pressão sobre os preços das commodities, que não deve diminuir em 2021, e uma eventual queda de produtividade das lavouras em razão dos efeitos da El Niña, poderão gerar discussões sobre o cumprimento daqueles contratos.
Outros desafios também assomam-se no horizonte: desde a questão do tabelamento do frete, que ficou esquecida neste ano, à retomada das discussões para implementação do acordo Mercosul-EU, sem descontar as novas políticas comerciais que poderão vir por parte dos EUA, agora sob nova gestão.
Enfim, apertem os cintos porque continuaremos sob fortes turbulências em 2021.
*Frederico Favacho é consultor jurídico da ANEC (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais)
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