A educação formal é insubstituível?
A velocidade das mudanças leva gestores e iniciantes a acreditar que a formação acadêmica não dá conta de atender as necessidades do mercado. Porém, há momentos de carreira em que só a experiência prática não basta
por Sergio Lozinsky
Em diversas áreas do conhecimento, as novas gerações por vezes colocam vivências pessoais à frente da educação formal. São muitos os fatores que ajudam a fortalecer essa linha de pensamento, mas dizer que a experiência adquirida ao longo da carreira supera uma educação sólida é uma prerrogativa um tanto exagerada – e o mesmo vale para o raciocínio inverso.
Como em qualquer outro assunto, ser taxativo implica ignorar as nuances. Talvez seja correto dizer que, em cargos mais voltados à execução de processos, a educação formal se destaca. Mas quando falamos de postos de liderança, a educação informal tem um peso bastante significativo.
Há uma série de experiências, vivências e conhecimentos que o profissional só desenvolve na prática, expondo-se aos riscos e às circunstâncias não previsíveis, e desenvolvendo recursos para lidar com eles.
Os desafios trazidos pela pandemia são prova disso. A adaptação e a reinvenção que permitiram às empresas sobreviver vieram, em grande parte, dos líderes mais experientes, capazes de analisar o cenário com maior profundidade. Afinal, quem já vivenciou situações inusitadas ou demandantes consegue encontrar caminhos para orientar seus liderados, mesmo que os problemas não sejam iguais aos do passado.
E é preciso reconhecer que a educação formal tem dificuldade em acompanhar a dinâmica do mercado. Isso não vem de hoje: é da natureza acadêmica passar mais tempo se debruçando sobre um assunto antes de incluí-lo em sua grade curricular. A diferença é que, hoje, esse gap está consideravelmente maior, já que as mudanças estão acontecendo em uma velocidade inédita na história.
E isso não se deve somente à pandemia, mas também a questões como a LGPD, segurança da informação e várias outras. Todas essas mudanças acabaram criando um ambiente mais complexo na relação com clientes e fornecedores, assim como na gestão de equipes. As instituições de ensino sabem disso e tentam atender a essa demanda: criam cursos especializados e atualizam a grade de graduações e pós-graduações. Mas ainda não é o suficiente para ajudar o profissional a enfrentar situações imponderáveis – e, no caso de algumas instituições de qualidade questionável, deixam a desejar até mesmo na entrega de ferramentas para lidar com o dia a dia.
Habilidades específicas
Mesmo diante disso tudo, reconheço que a “educação informal” não se basta sozinha – e tenho um exemplo pessoal a compartilhar.
A Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) havia se certificado para oferecer um curso de Engenharia de Sistemas ainda no fim dos anos 1970, porque entendia que as empresas se tornariam dependentes da tecnologia em um futuro próximo. Na época, arquitetura de sistemas era algo compreendido por poucos no país, e a ideia era criar um grupo de engenheiros que dominasse o assunto e suas ramificações.
Ter cursado essa graduação contribuiu muito para meu início de carreira. Ela foi essencial, por exemplo, para que eu conseguisse meu primeiro emprego em uma consultoria multinacional, que buscava o que há algum tempo chamamos de “profissional de TI”. Porém, anos depois, foi a experiência acumulada que me permitiu desenvolver uma carreira de liderança em consultoria. A questão é que momentos da carreira pedem habilidades específicas, com alguns períodos exigindo realmente uma formação acadêmica ou técnica mais sólida.
De forma parecida, existem momentos diferentes na história de uma empresa. Usamos e abusamos tanto do termo “startup” que nos esquecemos que ele se refere a um embrião, uma semente. Quando um projeto ainda está nesse estágio, sua evolução está mais vinculada a certas características e atitudes do que à formação acadêmica. Exatamente por isso, a cultura dessas empresas tende a valorizar a educação informal.
Porém, o que a experiência tem mostrado nos últimos anos é que, quando elas começam a dar certo, trazem para o quadro de liderança pessoas que conjugam a experiência formal e a informal. Existe um limite para que esse senso “desbravador” sustente um negócio. A tendência é haver um equilíbrio entre as duas formações para que a gestão tenha êxito.
As gigantes da tecnologia são exemplos disso. Muito cedo os fundadores do Google foram atrás de pessoas com esse perfil “misto”. Empresas como Amazon e Twitter chegaram aonde chegaram por serem inovadoras, sim, mas também por selecionarem profissionais que tinham tanto formação sólida como experiência consistente.
Hoje já há startups com menos “espírito de garagem”. São empresas fundadas por pessoas mais seniores, gente de cabelo branco às vezes. Com o mercado de investimentos de olho nesse tipo de empreendimento, profissionais mais experientes começam a integrar a fase inicial de startups.
Além do diploma
Seria um equívoco encerrar esse artigo sem mencionar que há um aspecto que está muito aquém do desejável na educação formal do Brasil. A educação superior, em especial, deveria ser um lugar onde se aprende a estudar, e não onde simplesmente “se ouve palestras”. Um aspecto fundamental de estar em uma universidade é que, para muitas pessoas, ali será o primeiro momento em que vão buscar fontes variadas de informação.
Valer-se de bibliotecas especializadas, tomar contato com visões contraditórias, aprofundar-se na história e na prática da cadeira estudada: esses são passos importantes na construção de um profissional capacitado, e que uma boa instituição de ensino pode oferecer com grande eficiência. É essencial, porém, que os centros universitários assumam seu papel de formação de conhecimento superior, em vez de apenas agirem como uma continuidade do ensino médio.
A universidade precisa se tornar um centro de referência em seu objeto de estudo. Para isso, ela precisa buscar parcerias com empresas – uma discussão antiga que até hoje pouco acontece na prática – e também trazer profissionais do mercado para debater temas atuais com os estudantes. E, claro, precisa investir em pesquisa.
Porém, mesmo com essas mudanças ainda distantes, a educação formal não pode ser vista como um item menor ou dispensável na formação de um bom profissional. Profissionais de sucesso costumam conjugar uma boa formação acadêmica a uma atitude permanente de aprimoramento dos seus conhecimentos e às oportunidades que a dinâmica dos mercados lhes oferece sob a forma de desafios e problemas.
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