Brasil,

TDAH, dislexia e a metonímia da Lei 14254/21

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Aline Lourenço
  • SEGS.com.br - Categoria: Educação
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A Lei 14254/21, de 30 de novembro de 2021, é novíssima. Dispõe sobre o acompanhamento integral para educandos com dislexia ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem. Por ela, cabe ao poder público desenvolver e manter o programa de acompanhamento integral para educandos com dislexia, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Um leque de proteção no plano jurídico se desenhou. Conforme a Lei, os disléxicos ou portadores de TDAH terão direito, em tese à "identificação precoce do transtorno, o encaminhamento do educando para diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde".

Ainda de acordo com a Lei, o tal acompanhamento integral previsto no caput deste artigo compreende a identificação precoce do transtorno, o encaminhamento do educando para diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde. Temos sim, que festejar. Alguém acordou. A Lei Romeo Mion, é um exemplo da união para que algo aconteça no campo do autismo.

Contudo, essa Lei não consegue nem de longe aplacar o que acontece na verdade. A significância do sinal, do desejo do legislador é fantástica, mas há uma total falta de convergência entre a Lei e a realidade. É duro, é triste, há um fosso social; mas infelizmente, não há mão de obra para fazer o acompanhamento integral. Poderia se contrapor ao argumento quem dissesse, melhor com Lei do quem sem Lei. Mas isso revela um grau de alienação muito grande. Lei sozinha, não resolve nada. Não se investe em capacitação e recapacitação, de modo que falta um substrato anatômico, real, para que se aplique a Lei e se cumpra a intenção do legislador. É preciso trabalhar e legislar. Lei não muda o fato social.

Aliás, fazer leis nesse país é uma meta. Há um senso comum entre os brasileiros de que quanto mais PLS forem apresentados e mais leis aprovadas por um vereador ou um deputado, mais produtivo ele é. Rankings elaborados por mídias colocam isso como um indicador de produtividade, estimulando essa crença de que lei é métrica de trabalho cumprido. O Brasil adora leis. Mas muitas não se encaixam à realidade social pela centralização de poder e pela distância dos legisladores do cotidiano das pessoas, contribuindo para a criação de "leis que não pegam". Tamponar a verdade fazendo leis, ou desviar a atenção inventando leis, é uma arte que os brasileiros adoram. Aliás, a lei nos persuade a acreditar nos cativantes panoramas que encenam o poder de regular.

No caso do TDAH, da dislexia e do autismo, parece que sofrimentos compartilhados e árduos trabalhos estão comovendo o legislador. Não podemos aqui ser melodramáticos. A Lei é linda. Mas o que pode a lei verdadeiramente fazer pelas crianças, se há uma abundante quantidade de crianças que sequer foram diagnosticadas e centenas de professores que não receberam qualquer capacitação nesse sentido? Não se trata de ser ou não "marinheiro de primeira viagem", o navio nem saiu.

O Brasil tem bolsões de pobreza em que as professoras vão a pé para escola e andam quilômetros para chegar ao destino. Escolas com paredes rachadas, goteiras e crianças que só vão para merendar. O súbito aparecimento de Leis como essa, decorrem mesmo da união dos sofrimentos compartilhados. Isso me leva a pensar como fazer o brasileiro " baixar o pano" à conclusão do drama. A observação imparcial, furtiva do que ocorre no ensino brasileiro, vai mostrar que essa lei não vai atravessar o mar bravio da verdade brasileira: ela é inaplicável e ineficaz. O Brasil ama Leis. Mas não estamos, pelo menos no campo do autismo, do TDHA e da dislexia precisando de congressistas eficientes.

Precisamos de profissionais eficientes. De professores, fonoaudiólogos, psicopedagogos, psiquiatras, fisioterapeutas, gente da neuromotricidade, da terapia ocupacional, todos eficientes. E só poderão ser competentes se o Estado elevar o investimento em capacitação.

Existem leis lindas. Transmitem até afetuosidade. Criam uma cena de cuidado e confundem o povo. Transmitem a mensagem de um Estado que aparenta ter solução para o problema e que responde normativamente aos anseios do povo, tamponando alguma dor e criando um sentimento de bem-estar nas pessoas. Tais Leis, como essa, são cheias de evasivas, trazendo para o palco da verdade, nada além do que um cuidado a mais. Quem olhar detidamente a fotografia do ensino brasileiro, verá a caricatura da proteção que essa lei pretende dar. Ela não tem como se cumprir. ´

Será que é possível escolas da educação básica da rede pública e privada, garantir proteção ao educando com dislexia ou TDAH, ou autismo, com os serviços de saúde existentes? Tudo que é existente ainda não consegue realizar o que está desenhado na lei.

O mais evidente equívoco é a falta total de recursos humanos e financeiros para que ela produza efeitos. A indústria legislativa segue. É preciso que siga a verdadeira respeitabilidade pelos meninos que precisam de ajuda neste campo, através de políticas públicas e investimentos reais, recapacitação ou capacitação, e não na aceitação dócil e irrefletida de que a Lei resolveu o assunto.

Roscoe Pound, em sua célebre "Justiça conforme a lei" dizia que "O Direito é mais que um agregado de leis. É o que torna as leis instrumentos vivos da Justiça”. Direitos Humanos, inclusão infantil na educação, autismo, TDAH e dislexia são temas que mexem com a sociedade, e, portanto, alvo para a sanha do legislador. Fica bem. É bom. É ótimo legislar nesse campo. Mas é preciso que todas as camadas da população tenham acesso aos direitos e proteções que emanam dessa Lei extremamente atraente, ao primeiro momento, mas completamente afastada da realidade social.

Não cabe se ter visão otimista ou pessimista. Não é esse o ponto. O que revela é a falta de mecanismos para aplicar a lei, às dificuldades que serão encontradas nas escolas. Aqui não é preciso pensar demais, a racionalidade se reduz ao mínimo.

Maria Inês Vasconcelos, advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora.


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