Coronavírus e o Homeschooling
*Sueli Bravi Conte
Estamos no meio de uma pandemia causada pelo novo coronavírus. Fomos pegos de surpresa por um vírus que nos levou ao isolamento social e chegamos a uma situação a qual não estávamos acostumados. Gostamos do contato físico, do abraço apertado, dos apertos de mãos, dos afagos e de reunir pessoas queridas. Porém, fomos levados ao afastamento, inclusive de nossos familiares.
Creio que todos ficaram surpresos quando os governos deram ordem para a suspensão das aulas. Foi neste momento que a maior parte das pessoas se deu conta da gravidade da situação. Isso, porque jamais, na história do nosso país, suspendemos aulas por tanto tempo. É neste clima de incertezas, de notícias fervilhando, de aumento no número de casos e de mortes devido ao agravamento da doença provocada pelo vírus, que percebemos as nossas fragilidades enquanto indivíduos.
Além do combate ao vírus, o governo tenta inúmeras estratégias para amenizar o problema com a economia a fim de não avançarmos para uma recessão profunda. Em paralelo, pais, educadores e instituições de ensino precisam lidar com a falta de garantia de aulas presenciais, um direito dos menores garantido pela Constituição Federal.
Em meio a este cenário, a implantação do "homeschooling" (as aulas online em casa) se fez necessária. Os alunos recebem as atividades e são orientados por seus professores por meio de uma plataforma digital. A ideia não é nova. Na realidade, foi colocada como meta para os primeiros 100 dias de gestão do governo do presidente Jair Bolsonaro, copiando um modelo vigente na Europa.
Há mais de cinco anos, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) defende a legalização e regulamentação da modalidade no País. A sugestão é de que sejam estabelecidas regras para que os órgãos públicos possam acompanhar as crianças que são educadas em casa. O surpreendente é que, no final das contas, o homeschooling foi instituído pela pandemia em um país onde, culturalmente, os alunos não estão acostumados a praticar a educação à distância, ou seja, em casa.
As plataformas digitais são aliadas da educação especialmente no caso das escolas particulares, uma vez que a ferramenta é cara para as instituições e exige, além disso, que os próprios alunos tenham recursos, como notebook e internet. Por conta disso, essa acaba sendo uma realidade distante para as escolas públicas.
A verdade é que essa é uma saída plausível diante da crise de saúde que estamos enfrentando. É uma forma de garantir a Educação, mesmo que de forma adaptada, enquanto os alunos não podem sair de casa. Em contrapartida, também deve nos apresentar muitos problemas e “pedir” uma série de adaptações. É importante, por exemplo, que ao menos um responsável esteja presente e acompanhe a criança durante as aulas. É incontestável que há falta de preparo de muitos professores para lidar com as novas tecnologias, assim como há falta de uma plataforma com adequação para as crianças não alfabetizadas, caso da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental.
O fato é que a Internet sempre foi uma ferramenta aliada nas aulas presenciais, mas nunca havia sido protagonista, o meio essencial para que as aulas ocorressem de fato. Por um tempo ainda não determinado, tudo que teremos serão as aulas online. Os alunos seguirão privados dos encontros sociais que ocorrem na escola. A comunicação direta com as famílias também será prioritariamente digital e os professores farão reuniões em vídeo conferência para planejar as aulas.
Como educadora, faço alguns questionamentos. Teremos a certeza de que esta forma de educar é eficaz? Deixar crianças e adolescentes apenas em casa não faria da aprendizagem uma formação enquadrada apenas nos valores familiares aos quais ela pertence? Como serão feitas as avaliações das crianças que estão em "homeschooling"? Que base curricular as escolas terão para avaliar estas crianças?
Há, ainda, outras indagações. Como ficam as crianças oriundas de famílias sem estudos, sem condições de ensinar corretamente, sem computadores e internet? Não estamos provocando uma exclusão social maior ainda? Será que, com essa nova modalidade de ensino, não geraremos ou intensificaremos ainda mais os preconceitos?
Precisamos discutir o papel social e formador das escolas. Afinal, crianças e adolescentes não a frequentam apenas para aprender a ler e escrever. O papel da escola vai além. Ela integra as crianças e ajuda a formar personalidade. É o ambiente para aprender a fazer relacionamento, onde os grupos de amigos têm origem e os jovens começam a entender que a sociedade é democrática e abrangente. Também é na escola que passamos a entender as diversidades, que nos comunicamos com pessoas de classes sociais, costumes e gostos diferentes. Aprendemos e ensinamos. Passamos nossas experiências e adquirimos novas.
O lugar de crianças e adolescentes é na escola. É lá que eles começam a fazer parte de algo, sonham, participam, criam condições, são incentivados em todas as áreas, começam a ter contanto com a pesquisa científica.
O momento pede muita reflexão. Ainda não podemos nos pautar apenas pelo que acontece nos países europeus, visto que eles estão muito a frente quando o assunto é educação. Necessitamos, primeiro, dar mais autonomia aos alunos, exercitar mais a capacidade de raciocínio lógico, da interatividade, do crescimento emocional e do despertar do movimento cognitivo e motor.
A família sozinha não educa e a escola também não. Caminhar juntos é o que gera resultado. Nos países europeus, onde a experiência do “homeschooling" deu certo, foi criado um período de estudo para pais e alunos interagirem com outras famílias, algo que não foi visto em nenhum momento na proposta brasileira. Na urgência, foi esquecido que aprendizagem não se constrói apenas com livros, mas nas experiências e exemplos. Temos muito o que aprender para ensinar sem ferir a integridade moral, física e psicossocial dos alunos. É tudo muito complexo, mas, com certeza, vamos encontrar a maneira ideal de enfrentar a situação atual.
Impressionante como um vírus pode provocar tantas mudanças. Isso me faz vê-lo por vários prismas. Em especial, enxergo o coronavírus como uma prova de vida ao ser humano. De forma simples e diferente, estamos sendo testados. As pessoas estão vivendo em “bolhas”, tendo contato apenas com grupos sociais de pensamento, credo, conceitos e pré-conceitos semelhantes. Estávamos perto, mas distantes. Agora, fomos obrigados a ficar distantes, mas praticando o egocentrismo nos aproximamos. Enfim, estamos separados, mas próximos. Começamos a pensar uns nos outros, igualamo-nos em resiliência, coragem e fé. Estamos antenados com o mundo, queremos saber como estão outras pessoas, ficamos preocupados com a população mundial.
Talvez, levar nossos alunos para as aulas virtuais seja uma boa maneira deles entenderem o papel da escola. Em casa, as famílias têm a oportunidade de se aproximar mais. Os pais podem ajudar os filhos, criar regras, rotina, ensiná-los a aprender e aprender com eles. Fomos obrigados a nos isolar, mas nunca vi a sociedade tão próxima, tão fraterna, grata a vida, aos seus semelhantes. Pessoas tentando ajudar outras a viver bem no isolamento social. Jamais vi tantas mãos dadas à distância. Estamos separados fisicamente, mas unidos em mente e alma. Vamos enfrentar mais este desafio das aulas online e provar que somos capazes de manter a raça humana viva e com o coração pulsando em prol dos nossos irmãos fraternos. Quando nos tiram a liberdade de ir e vir, nós provamos que através da mente podemos nos conectar com o universo!
*Sueli Bravi Conte é especialista em educação, mestre em neurociências, psicopedagoga, diretora e mantenedora do Colégio Renovação, instituição com mais de 35 anos de atividades do Ensino Infantil ao Médio, com unidades nas cidades de São Paulo e Indaiatuba.
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