Subnotificação compromete estratégia de combate ao coronavírus no Brasil
“Muito se fala sobre os efeitos do confinamento sobre a economia, mas quase nada está sendo feito para repetirmos aqui o exemplo da Coreia do Sul, que não entrou em quarentena porque testou milhões de pessoas e, com isso, conseguiu controlar o contágio”, destaca Maria Beatriz Gonçalves, estrategista da Purpose, responsável pela campanha nacional por mais testes de coronavírus.
Na Coreia do Sul, as autoridades públicas agiram rápido para conter o surto. Em duas semanas após a primeira confirmação, o país criou uma estrutura de guerra para aumentar a testagem dos sul-coreanos. O país, que tem cerca de 50 milhões de habitantes, passou a produzir 100 mil kits por dia e a controlar cada passo de pacientes com caso positivo. O país testou 9.310 pacientes por milhão. A Alemanha, outra nação com baixo índice de contaminação, testou 15.730 pacientes por milhão. “Apesar de todos os esforços do governo, se o Brasil não elevar drasticamente a testagem para o coronavírus, veremos o pico da pandemia ser sucessivamente postergado pois nos manteremos em trajetória ascendente de contaminação por mais tempo que o necessário”, alerta.
A testagem é especialmente importante nos casos assintomáticos. De 25% a 50% dos infectados não desenvolvem sintomas, segundo a Universidade de Columbia, mas podem ser responsáveis por até dois terços da contaminação. É por isso que a campanha virtual por mais testes permanecerá no ar. Depois de duas semanas de projeções em prédios de grandes capitais brasileiras, ela manterá a petição aberta no site www.janeladapressao.com.br, onde é possível enviar e-mail a representantes políticos cobrando por mais testes, bem como perfis no twitter.com/janeladapressao, instagram/janeladapressao e facebook/janeladapressao.
Apesar de defasados, os dados indicam que a desigualdade social influencia na taxa de mortalidade: de todas as hospitalizações pela Covid-19, 18,9% são de pessoas pardas e 4,2% de pessoas pretas, mas as porcentagens sobem quando se trata de óbitos, ficando em 28,5% e 4,3%, respectivamente. Do outro lado, as hospitalizações de pessoas brancas representam 73,9%, mas em óbitos elas caem, sendo de 64,5%. O que significa que, proporcionalmente, a doença é mais letal em negros e negras, revela o relatório do Ministério da Saúde. “Esses números mostram que é muito importante saber quantos testes foram feitos nas periferias e favelas e qual é o percentual de pessoas negras e brancas testadas para avaliar se o tratamento está adequado”, aponta Beatriz.
Atualmente, as principais causas da falta de diagnósticos em massa são econômicas e logísticas: a falta de centros produtores causa escassez no mercado e inflação dos preços e a falta de laboratórios habilitados a analisar as amostras provoca atrasos na divulgação dos resultados. Até poucas semanas eram apenas três os laboratórios habilitados para testes: Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo e Instituto Evandro Chagas, no Pará. Agora todos da rede Lacens (26 Estados + Distrito Federal) integram a lista, que também passou a contar com laboratórios de instituições públicas, como da Universidade Federal de Minas Gerais e do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas.
“Esta parece ser uma situação sobre a qual o governo pouco pode fazer, mas não é verdade: como o exemplo dos Estados Unidos comprova, é possível redirecionar a produção. Além disso, é possível agilizar convênios com universidades e laboratórios de instituições públicas e privadas. É por isso que a sociedade precisa cobrar respostas mais efetivas”, sintetiza Beatriz.
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