Lentidão do Mercosul não pode prejudicar indústria nacional
João Emmanuel Cordeiro Lima e Anita Pissolito Campos*
Em agosto de 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil poderia deixar o Mercosul caso a Argentina freasse o processo de abertura do bloco como decorrência da então possível vitória da oposição na eleição presidencial. Mais recentemente, com a vitória de Alberto Fernández, as rusgas entre visões de mundo antagônicas voltaram à tona. O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que sequer mandaria representante brasileiro para a cerimônia de posse, sinalizando novamente que a vida do bloco poderia viver tempos turbulentos. Ele acabou reavaliando e mandou o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, representar a delegação brasileira.
O Mercosul foi criado em 1991, por meio da assinatura do Tratado de Assunção, com o objetivo de estabelecer um mercado comum entre seus membros. O acordo significaria a busca pela livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos; a eliminação de restrições não tarifárias; o estabelecimento de uma tarifa externa e uma política externa comum em relação a terceiros; e a harmonização de legislações em áreas pertinentes.
De lá para cá, a integração evoluiu e muito foi feito. Não se pode negar que o bloco serviu para fortalecer o comércio entre seus membros, sendo de reconhecida importância para a indústria brasileira. Os números mostram isso incontestavelmente. Em 2017, por exemplo, 25% das exportações brasileiras se deram no âmbito do bloco, sendo que o Brasil exportou mais do que importou, gerando um saldo na balança comercial de R$ 10,7 bilhões. Já a Argentina, que vem sendo alvo das recentes polêmicas, segue como o terceiro maior parceiro comercial do País, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Isso não significa que tudo esteja bem e não exista espaço para melhorias no âmbito regional. Exemplo de um aspecto que merece atenção é o processo de harmonização regulatória entre os países membros do bloco econômico.
Desde a criação do Mercosul, um forte esforço para a harmonização de regras diversas que impactam o comércio entre seus membros vem sendo feito pelos países para viabilizar a livre circulação de bens. Entre os temas objeto desse esforço pode-se mencionar a fixação de medidas sanitárias para a exportação de bovinos e as regras sobre rotulagem de alimentos. Para todos esses casos, os países adotaram normativas padrão no âmbito do bloco, que deveriam ser internalizadas por seus órgãos competentes, evitando assim que restrições injustificadas fossem aplicadas sob o pretexto de impedir o ingresso de uma mercadoria de outro país membro do bloco.
Contudo, se há o que celebrar nesse processo de harmonização, há também pontos de preocupação que precisam ser endereçados. Talvez o principal deles seja a sua lentidão para rever e atualizar normas, deixando as empresas de países membros em situação de desvantagem competitiva para suas relações com outras que não fazem parte do Mercosul.
Um exemplo ajuda a listar essa realidade. Os materiais destinados à fabricação de embalagens plásticas que entrarão em contato com alimentos, só podem ser compostos por substâncias que estejam relacionadas expressamente em uma lista positiva elaborada pelo Grupo Mercado Comum, órgão do Mercosul que edita resoluções obrigatórias e vinculantes para os membros. O objetivo dessa medida é garantir que a saúde do consumidor não seja prejudicada com o uso de substâncias cuja segurança não se conhece, o que é plenamente justificável. Assim, todos os países do bloco só podem utilizar substâncias que estiverem na lista comum para o preparo deste tipo de embalagens.
Naturalmente, a tecnologia evolui e novas substâncias são constantemente desenvolvidas pela indústria, cada vez mais seguras, inovadoras e econômicas. Mas, para que possam ser utilizadas, precisam ingressar na lista positiva comum. O problema é que enquanto esse processo ocorre em tempo razoável em outros países, no Mercosul o processo pode levar anos e até mesmo décadas. Até que ocorra a revisão, é comum que se admita a utilização de “aditivo” à lista em países como Japão, União Europeia ou Estados Unidos, mercados consumidores reconhecidos por serem criteriosos e exigentes. Contudo, tal mecanismo segue vedado no Brasil e nos demais membros do bloco. A atualização da lista de aditivos para materiais plásticos, que foi recentemente concluída, demorou mais de uma década para ocorrer.
Esse processo coloca as empresas brasileiras e dos demais membros do bloco em situação de desvantagem competitiva frente a seus concorrentes estrangeiros. A lentidão para atualização regulatória da norma reduz a possibilidade de inovar, nestes países, por meio do uso de tecnologias mais modernas, eficientes e já reconhecidas no mundo todo como seguras – simplesmente porque não foram incluídas na lista positiva em razão da demora do processo regulatório.
Há pelo menos dois caminhos possíveis para a solução de um problema como este. O primeiro, de médio prazo, é a melhoria na própria capacidade institucional do bloco para viabilizar revisões mais céleres das normas comuns. A segunda, de curto prazo, seria a criação de mecanismos que viabilizem a atualização diretamente pelos países membros em situações excepcionais, sempre que o material for comprovadamente seguro e a demora puder prejudicar a indústria nacional.
Soluções semelhantes poderiam ser pensadas para outras situações desse tipo.
No momento em que o Brasil aprovou uma lei de liberdade econômica justamente para reduzir entraves que atrapalham o desenvolvimento, a implementação de medidas como essas é algo que merece ser vista com atenção. Elas são mais simples do que decidir sobre a saída do Mercosul e mais eficientes visando manter a parceria comercial que vem sendo benéfica ao país e aos membros do bloco.
*João Emmanuel Cordeiro Lima e Anita Pissolito Campos: sócios do Escritório Nascimento e Mourão, responsáveis pelas áreas de Direito Ambiental e Regulatório.
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